Robson
T. Fernandes
O texto de Joel 2:28-32 é uma profecia que diz respeito ao
derramamento do Espírito sobre “toda carne” “naqueles dias”. Em uma citação ao
referido texto, Pedro – em seu discurso no dia de pentecostes – faz menção a
esta passagem, declarando que “isto é o que foi dito pelo profeta Joel:”, em
Atos 2:16.
A interpretação acerca do cumprimento desta profecia se
divide. Também, o entendimento sobre o seu período de tempo encontra opiniões
divergentes por parte de diversos comentaristas bíblicos. Podemos enumerar,
pelo menos três principais posições acerca desta passagem:
1. A
primeira interpretação apresenta a passagem como se Pedro estivesse fazendo
menção a esta profecia tratando-a como tendo o seu cumprimento completo naquele
dia;
2. A segunda
interpretação trata da passagem como se esta estivesse se cumprindo
parcialmente, e sua segunda parte aguardasse o Dia do Senhor;
3. A
terceira interpretação afirma que Pedro se referiu a ação do Espírito Santo na passagem
de Joel como um argumento para explicar que o que estava acontecendo naquela
ocasião era uma ação Divina na inauguração da Igreja, durante o pentecostes que
era a festa das colheitas (Atos 2).
Em
primeiro lugar, é preciso verificar a tradução do texto nas principais
versões em língua portuguesa:
“o que ocorre é o que foi
dito... :” (RA)
“isto é o que foi dito... :”
(ACF e RC)
“Pelo contrário, isto é o que
foi predito... :” (NVI)
Prosseguindo, percebemos que utilizar a expressão “isto é”,
seguida de dois pontos, é diferente de utilizar a expressão “o que ocorre”,
especialmente porque o termo que aparece no original é “isto é” (τοῦτο ἐστιν).
Ao utilizar a expressão “o que ocorre” dá-se a ideia de que
o que está acontecendo em Atos 2 é de fato o cumprimento de Joel 2:28-32. Por
outro lado, ao utilizar-se a expressão “isto é” seguido de dois pontos, dá-se a
ideia de que o autor está apenas fazendo uma citação para fundamentar um fato.
O correto, observando o texto em seu idioma original, não
seria a expressão “o que ocorre”, mas sim “isto é” (τοῦτο ἐστιν), que está de acordo com as
versões Revista e Corrigida (RC), Almeida Revista e Fiel (ARF) e Nova Versão
Internacional (NVI).
Ainda, traduzindo o texto original (ἀλλὰ τοῦτο ἐστιν τὸ εἰρημένον διὰ τοῦ προφήτου
Ἰωήλ·),
o termo “isto é” é identificado como linguagem de similaridade, ou seja, uma
expressão que denota comparação e semelhança e não uma linguagem de cumprimento.
Portanto, Pedro em seu discurso, ao afirmar “isto é o que foi dito” não está
afirmando que a profecia estava tendo o seu cumprimento naquele momento, mas
está fazendo uma comparação para que aqueles que estivessem presentes na
ocasião percebessem que se os fatos de Joel ocorrerão por ação do Espírito
Santo, aqueles de Pentecostes também eram uma ação do Espírito do Senhor.
Em
segundo lugar, na profecia de Joel 2:28 encontramos: “E acontecerá,
depois”. Mas, depois de quê? Analisando o contexto completo de Joel percebemos
que o profeta está falando, anteriormente, do período de tempo identificado por
Daniel, Isaías e Jeremias como a Tribulação.
Nesta passagem, Joel trata dos eventos citados como algo
futuro, ao utilizar muitas expressões no tempo futuro, como: “derramarei”,
“profetizarão”, “sonharão”, “terão visões”, “derramarei”, “naqueles dias”,
“mostrarei”, “converterá”, “acontecerá” e “estarão”. Este tempo futuro é
identificado nas informações citadas anteriormente, em que se refere a
restauração de Israel (comparar Jl 2:18-27 com Ezequiel 37:1-14), o que só ocorrerá
no fim da Tribulação. É neste período de tempo que a profecia de Joel se
cumprirá.
Em
terceiro lugar, os dons do Espírito citados no texto de Joel 2:28-32 são:
sonhos, visões e profecias. Todavia, o dom do Espírito citado em Atos é
“língua”.
Muitos argumentam que a expressão “língua” utilizada em Atos
2 se refere a mensagem profética, o que encaixaria com um dos dons citados em
Joel: profecia. Mesmo que isso esteja certo, os outros dois dons citados na
profecia de Joel, sonhos e visões, nunca são citados, de nenhuma forma em Atos
2. Então, se o Pentecostes de Atos 2 foi o cumprimento parcial da profecia de
Joel deveria citar os dons apresentados na referida profecia, mas isto não
ocorre.
Em
quarto lugar, segundo Joel 2:28,29 o Espírito seria derramado “sobre
toda carne”, porém esta expressão “toda carne” é logo explicada pelo próprio
texto, ao afirmar que se refere a “vossos filhos e vossas filhas”, “vossos
velhos”, “vossos jovens” e “os servos e sobre as servas”. É importante observar
a utilização do termo “vossos”, o que indica que toda carne citada em Joel está
relacionada a Israel, que é o público alvo (destinatário) do livro de Joel.
Por outro lado, em Atos 2, o Espírito inicialmente é
derramado sobre cento e vinte discípulos de Cristo, convencendo,
posteriormente, quase três mil pessoas que estavam naquele local, mas que
faziam parte de diversas outras localidades, como declara Atos 2:9-11: Partos,
Medos, Elamitas, Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto, Ásia, Frígia, Panfília,
Egito, Líbia, Judeus, Romanos, Cretenses e Árabes.
Portanto, mais uma vez observamos que a profecia de Joel
2:28-32 não se cumpre em Atos 2.
Em
quinto lugar, Joel 2:30,31 apresenta sinais que deveriam acompanhar o
cumprimento da profecia e que serviriam de evidência do cumprimento profético.
São eles: Prodígios no Céu e na Terra: sangue, fogo, colunas de fumaça, o sol
se converterá em trevas e a lua em sangue. Mas, nenhum desses eventos ocorre no
Pentecostes, Atos 2.
Alguns alegoristas chegam a afirmar que o sangue citado em
Joel 2 simbolizaria a “justificação”, o fogo simbolizaria a “purificação
mediante a ação do Espírito Santo” e o vapor de fumaça simbolizaria o “juízo
dos incrédulos”. Um dos problemas para esse tipo de interpretação, forçoso, é
buscar respaldo para essas associações, já que nem sempre o sangue simboliza
justificação (maldição – Gn 4:11; vida – Lv 17:11; castigo – Ex 7:19), nem
sempre o fogo simboliza purificação (na maioria dos textos bíblicos, fogo está
relacionado com julgamento: Lv 10:2; IISm 22:9; IIRs 1:14; Mt 5:22; Mc 9:44) e
não existe fundamentação bíblica para afirmar que o vapor de fumaça simboliza o
juízo dos incrédulos (Gn 2:6; Ex 19:18; Jo 36:27; Tg 4:14), mas em alguns casos
simboliza a ira de Deus. Esse tipo de interpretação é regido pela mente do
intérprete e não pelas regras hermenêuticas e exegéticas.
Por outro lado, se procedermos em uma interpretação que
segue o método histórico-gramatical verificaremos que os sinais apresentados em
Joel, mais uma vez, se encaixam perfeitamente com os mesmos sinais apresentados
no Apocalipse e situados durante o período da Tribulação (Ap 6:12,17; 8:5-13).
Em
sexto lugar, Joel 2:32 declara que “no monte Sião e em Jerusalém
estarão os que escaparem, como disse o Senhor, e entre os sobreviventes aqueles
que o Senhor chamar”. Por que estas duas afirmações neste texto?
De acordo com o próprio Joel, no capítulo 3:1-17, no final
da Tribulação as nações serão reunidas em um grande cerco contra Israel,
corroborando com Zacarias capítulos 12 e 14.
Portanto, em Joel 3:2 está escrito que todas as nações
estarão no Vale de Josafá. Entre os versículos 9 e 12 encontramos a
apresentação do denominado Armagedom, que encaixa os sinais do capítulo 2:30
com os do capítulo 3:15. Por último, Joel 3:17 apresenta o agrupamento das
nações e de Israel em Sião e Jerusalém.
CONCLUSÃO
Podemos, portanto, concluir que Pedro não afirmou que a
profecia de Joel estava se cumprindo naquele momento, mas estava fazendo uma
comparação para que os ouvintes ponderassem acerca da ação do Espírito Santo,
que agiria na profecia de Joel bem como estava agindo naquele momento (At 2).
Ainda, os dons apresentados em Joel não aparecem em Atos 2 e
nem os sinais que testificam o cumprimento daquela profecia.
Portanto, e por fim, quando Joel diz “grande e terrível Dia
do SENHOR” (Jl 2:31) está associando o Dia do SENHOR, neste caso, com o fim dos
últimos dias, o fim dos tempos, como ode ser visto em Apocalipse.