Robson T. Fernandes
UMA PEQUENA
INTRODUÇÃO
A
Escatologia Bíblica sempre é alvo de muitos debates e controvérsias. Sempre foi
assim, desde os dias da Igreja Primitiva. Naquela época, quando o apóstolo
Paulo pregava sobre os últimos dias e os seus acontecimentos, já havia um grupo
que afirmava que tais eventos já tinham acontecido, incluindo a própria ressurreição.
Por isso o apóstolo afirma que “estes se desviaram da verdade, asseverando que
a ressurreição já se realizou, e estão pervertendo a fé a alguns” (2 Tm 2:18).
Este grupo entendia que as profecias bíblicas para o futuro já haviam se
cumprido no passado.
Ao
tratarmos dos tempos proféticos entramos em uma discussão chamada “O Já e o
Ainda Não”. Isto é, as promessas da profecia bíblica sobre os eventos futuros
já ocorreram ou não? Estamos vivendo os últimos dias ou não?
Essa
tensão, “O Já e o Ainda Não”, diz respeito ao fato que a era escatológica já
foi inaugurada. Isto quer dizer que a era escatológica mencionada pelos
profetas do Antigo Testamento teve início com Cristo, mas ainda não chegou ao
seu estado final. É exatamente por isso que presenciamos essa perturbação na interpretação
bíblica quanto a estes fatos, em que muitos não sabem definir o que já ocorreu
e o que ainda ocorrerá.
O
quadro desse debate se agrava com a chegada do neopentecostalismo
(hiperpentecostalismo), que alicerçado na Confissão Positiva, afirma que toda
dor e sofrimento já foram enfrentados por Cristo e pela Igreja Primitiva, para
que nós não tivéssemos que passar por isso na presente Era. Uma das afirmações
feitas é que já que Cristo subiu aos céus e está sentado à destra do Pai, o Seu
Reino foi implantado na Terra, onde se espalhará e inundará as nações. Por
isso, a ideia bíblica de tempos difíceis nos últimos dias, profetizado por
Paulo à Timóteo (2 Tm 3), não diz respeito aos nossos dias e sim aos dias de
Paulo. Afinal, dizem eles, os nossos dias são de prosperidade e crescimento.
Para
entendermos melhor a questão, precisamos analisar alguns textos bíblicos.
2
Timóteo 3:1-5
Sabe,
porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão
egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos
pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem
domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais
amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe,
entretanto, o poder. Foge também destes.
A
expressão “nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis” em 2 Timóteo 3, é oti en eschatais hemerais enstesontai kairoi chalepoi (ὅτι ἐν ἐσχάταις ἡμέραις ἐνστήσονται
καιροὶ χαλεποί).
É
importante destacar que a expressão “sobrevirão” (enstesontai - ἐνστήσονται)
é um verbo que está no futuro do indicativo médio, na 3ª pessoa do plural.
Com
isso já entendemos que o que o apóstolo fala é para o futuro, com relação a
época em que ele escreveu. A pergunta é: Quando seria este futuro?
Antes
de responder a essa pergunta, é importante explicar o que significa o tempo
verbal Aoristo, no grego. O aoristo considera a ação do verbo como um ponto e
está isenta da ideia de tempo. Ou seja, Aoristo indica uma ação verbal, um acontecimento
ou ocorrido, sem que seu tempo seja definido. Dito isto, devemos observar que
os verbos citados em 2 Timóteo 2 estão ou no tempo Presente ou no Aoristo, e
não no futuro. Vejamos: fortifica-te (endynamou – ἐνδυναμοῦ [presente]), transmite (parathou
– παράθου [Aoristo]), participa dos meus
sofrimentos (synkakopatheeson – συνκακοπάθησον [Aoristo]),
pondera (noei – νόει [Presente]), lembra-te (Mnemoneue –Μνημόνευε [Presente]), recomenda (hypomimneske –
ὑπομίμνῃσκε [Presente]),
procura (spoudason – σπούδασον [Aoristo]) etc.
De
repente, no capítulo 3, o apóstolo muda o tempo verbal, de presente ou aoristo
para futuro. Por que isso ocorre? Porque o apóstolo deseja mostrar que aquelas
turbulências já presentes em sua época continuariam presentes no futuro e
seriam intensificadas. Aqui nós comelamos a ver o esboço do “Já e o Ainda Não”.
Ou seja, as coisas já estão acontecendo mas ainda não se completaram.
Dessa
forma, o apóstolo Paulo ensina que estes problemas não seriam restritos à sua
época, mas que o quadro iria se agravar, especialmente porque também afirma que
tais pessoas “serão...” (ἔσονται),
em que esta expressão também é colocada no futuro do indicativo médio,
concordando com “sobrevirão” (2Tm 3:1,2).
Então,
o que nós veremos antes da Vinda Gloriosa de Cristo, não é uma melhora no
quadro da humanidade, mas uma piora. Uma intensificação do pecado.
Isto
está de acordo com o que Jesus disse em Mateus 24:
“Pois assim
como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem. Porquanto,
assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se
em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, senão
quando veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do
Homem” (Mt 24:37-39).
Diante
desse quadro, alguns afirmam que a Tribulação já ocorreu, assim como algumas
pessoas já na época do apóstolo Paulo também afirmavam “que a ressurreição já
se realizou” (2 Tm 2:18).
Para
defender esse pensamento utilizam o texto de Mateus 24:34:
“Em verdade vos
digo que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça”
Utilizam
este texto para afirmar que as profecias feitas por Jesus, sobre a Tribulação,
se referiam àquela geração de Sua época, e por isso concluem que a Tribulação
foi para aqueles dias.
O
termo “geração”, ocorrido no texto de Mateus 24, é o grego genea (γενεὰ),
e possui vários significados. Vejamos:
1. De acordo com Fritz Rienecker e
Cleon Rogers[1]: Raça,
geração.
2. De acordo com W. C. Taylor[2]:
geração, prole, raça, época.
3. De acordo com F. Wilbur Gingrich e
Frederick W. Danker[3]: raça,
clã, gênero, contemporâneos, era, período de tempo, família.
5. De acordo com Lothar Coehen e Colin
Brown[4]: geração, família, clã, raça, era.
Genea,
derivada da raiz gen-, significa “nascimento”,
e também “descendência”, e, depois, “descendentes”, “família”, “raça” (isto é,
aqueles que são vinculados por uma origem comum) [...] Tanto na Septuaginta e
no Novo Testamento seu significado primário é “nação”, “povo” ou “tribo”[5].
Então,
diante de tudo o que foi visto, só restam duas opções de interpretação para o
termo “geração” em Mateus 24:34. Ou significa que aquele povo vivo na época de
Cristo vivenciaria todas aquelas coisas, ou a “raça” (família, descendência) daquele
povo seria preservada para ver o cumprimento de todas essas coisas.
Se
lermos o texto com bastante atenção veremos que Jesus Cristo disse que: o sol
escurecerá, a lua não dará seu brilho, as estrelas do céu cairão, os poderes do
céu serão abalados, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem, todos os povos
da terra se lamentarão, verão o Filho do Homem vindo nas nuvens etc.(Mt
24:29-31).
Ora,
é claro que tais coisas ainda não aconteceram. Contudo, Jesus disse que esta
geração não passaria até que tudo isso acontecesse, mas ninguém da época de Jesus
viveu para ver tais coisas, e nem nós mesmos ainda não vimos tais eventos.
Portanto, afirmar que isto se refere a eventos passados, é o mesmo que dizer
que a Tribulação já passou e que a Vinda de Cristo já ocorreu. Portanto, é
recair no erro reprovado pelo apóstolo Paulo: “estes se desviaram da verdade,
asseverando que a ressurreição já se realizou, e estão pervertendo a fé a
alguns” (2 Tm 2:18).
Só
nos resta, então, a segunda alternativa de interpretação do termo “geração”: raça,
família, descendência. Aqui, especificamente, Jesus fala sobre a raça judaica. Isto
quer dizer que esta raça, este povo (geração), seria preservada até que tudo
isso se cumprisse.
Por
fim, deixo o texto de 2 Pedro 3:3, que poderá ser analisado em outra ocasião.
Deus
lhes abençoe em Cristo.
2 Pe 3
Amados,
esta é, agora, a segunda epístola que vos escrevo; em ambas, procuro despertar
com lembranças a vossa mente esclarecida, para que vos recordeis das palavras
que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem como do mandamento
do Senhor e Salvador, ensinado pelos vossos apóstolos, tendo em conta, antes de
tudo, que, nos últimos dias, virão escarnecedores com os seus escárnios,
andando segundo as próprias paixões e dizendo: Onde está a promessa da sua
vinda? Porque, desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como
desde o princípio da criação.
Porque,
deliberadamente, esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra, a
qual surgiu da água e através da água pela palavra de Deus, pela qual veio a
perecer o mundo daquele tempo, afogado em água. Ora, os céus que agora existem
e a terra, pela mesma palavra, têm sido entesourados para fogo, estando
reservados para o Dia do Juízo e destruição dos homens ímpios.
Há,
todavia, uma coisa, amados, que não deveis esquecer: que, para o Senhor, um dia
é como mil anos, e mil anos, como um dia. Não retarda o Senhor a sua promessa,
como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco,
não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento.
Virá,
entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com
estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as
obras que nela existem serão atingidas.
Visto
que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que
vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de
Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos
abrasados se derreterão. Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos
céus e nova terra, nos quais habita justiça.
Por
essa razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos por serdes
achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis, e tende por salvação a
longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos
escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes
assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há
certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam,
como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles.
Vós,
pois, amados, prevenidos como estais de antemão, acautelai-vos; não suceda que,
arrastados pelo erro desses insubordinados, descaiais da vossa própria firmeza;
antes,
crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A
ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno.
[1] RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon.
Chave Linguística do Novo Testamento
Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995. p.53.
[2] TAYLOR, W. C. Dicionário do NT Grego. Rio de Janeiro,
JUERP, 1991. p.48
[3] GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick
W. Léxico do N.T. Grego/Português. São Paulo: Vida Nova, 2000. p.46
[4]
COEHEN, Lothar; BROWN, Colin.
Dicionário Internacional de Teologia do
NT. São Paulo: Vida Nova, 2000. p.895
[5] Idem.