Uma
reflexão sobre as origens, significado e prática da Páscoa
Robson
T. Fernandes
Vivemos em uma sociedade
extremamente consumista. Consumir ovos de páscoa pode ser até 411% mais caro
que comprar uma caixa ou uma barra de chocolate (CIAFFONE, 2013). Contudo,
ainda assim, o comércio de ovos de chocolate na época da páscoa tem sido
aquecido a cada ano, e por quê? Porque a sociedade atual não é apenas
consumista, ele tem se tornado materialista. A diferença é que no passado as
pessoas compravam muito e usavam o que compravam (consumismo), mas hoje muitas
pessoas compram produtos que não precisam, para impressionar a quem não gostam
e para pagar com o que não têm (materialismo). E, infelizmente, a igreja da
atualidade tem seguido à passos largos na mesma direção. Não é à toa que os
chavões evangélicos mais conhecidos são: “Há poder em suas palavras”,
“declare”, “ordene”, “decrete”, “você nasceu pra ser cabeça e não cauda”, “o
homem sonha e Deus realiza”, “você pode ter tudo o que quiser”, etc.
Por outro lado, além do
materialismo e consumismo, a sociedade é levada de um lado para outro de acordo
com a tendência do momento sem nem ao menos questionar ou pensar sobre as
origens e as consequências de certas práticas. E, mais uma vez, infelizmente, a
igreja da atualidade continua seguindo na mesma direção. Então, raciocinando
sobre isso nos perguntamos: Por que o coelho é utilizado como símbolo da
páscoa? Por que o ovo de chocolate está associado com o coelho, se coelhos não
põem ovos? E se coelhos pusessem ovos será que seriam de chocolate? Certamente
não. Diante disso, surge o questionamento: Quais as origens dessa páscoa
comemorada hoje?
A ORIGEM DO OVO
O ovo tem sido encontrado em
muitos sepulcros pré-históricos da Rússia e Suécia, como símbolo de
imortalidade. Nos hieróglifos egípcios, e na cultura egípcia, onde é mais
frequente, o ovo simboliza o potencial e o germinar de uma geração, o mistério
da vida. Os alquimistas continuam mantendo esse mesmo significado simbólico
para o ovo. Daí, surge a ideia do “ovo cósmico” que é a origem de todas as
coisas, inclusive do Buda (ELIADE, 1979, p.76). Os chineses acreditavam que o
primeiro homem havia nascido de um ovo. Então, a simbologia do ovo vem desde
essas tradições religiosas até a Índia e os druidas.
Na China coloriam-se ovos de
pata para celebrar a vida. No Egito, Pérsia, Grécia e Roma coloriam os ovos e
presenteavam os amigos em comemoração pela chegada da primavera, simbolizada
pela deusa da mitologia germânica Eastra, representada por uma lebre (CIRLOT,
1992, p.244).
Após o século XV, foram
introduzidos através dos missionários católicos e dos cruzados que trouxeram
tais práticas do Oriente, pintando os ovos de vermelho, para simbolizar o
sangue e a tumba de Cristo. No século XVII, começaram a produzir ovos de
plástico recheados de chocolates. E só na década de 1950, surgiram os famosos
ovos de chocolate. Por isso, “o ovo da páscoa é um emblema da imortalidade que
sintetiza o espírito de todas estas crenças” (CIRLOT, idem).
Por outro lado, saber sobre a
origem dos ovos de páscoa não significa que tais ovos serão prejudiciais se
consumidos, porque “se comemos, nada temos de mais e, se não comemos, nada nos
falta” (1Co 8:8), e a comida “pela palavra de Deus e pela oração é santificada”
(1Tm 4:5). A questão não está no ovo de páscoa por si só, mas naquilo que ele
simboliza. Sabemos que atualmente o ovo de páscoa não é utilizado como um meio
de adoração às divindades pagãs do passado, mas como uma fonte de manutenção do
consumismo e materialismo. É aqui que se faz o primeiro destaque: O consumismo
e o materialismo são duas divindades modernas em nossa sociedade, associadas
simbolicamente com Mamon[1].
O segundo, e mais importante destaque, é que o ovo não possui nenhuma
representação bíblica relacionada com o verdadeiro significado da Páscoa, como
veremos mais adiante.
A ORIGEM DO COELHO DA PÁSCOA
A deusa Eostre, símbolo do
renascimento, fertilidade e deusa da primavera, na mitologia babilônica, era
conhecida também como Ishtar. Talvez venha daí o termo páscoa, em inglês,
Easter. Acredita-se que na mitologia celta “o totem da deusa, a lua-lebre,
punha ovos para as crianças comportadas comerem [...] a lebre da Páscoa era a
forma como os celtas imaginavam a superfície da lua cheia” (INGRAHAM, 2000,
p.10).
De acordo com os hieróglifos
egípcios, a lebre simbolizava a essência da existência. Entre os gnósticos
simbolizava um demiurgo, uma divindade má, dentre as três divindades
acreditadas. Na mitologia grega e entre os germânicos estava relacionada com a
lua (CIRLOT, 1992, p.278).
Inicialmente, o coelho da páscoa
era uma lebre, oriunda dos anglo-saxônicos, que a tinham como o símbolo da
abundância de vida. Para os povos antigos, o coelho representava a lua, que
saía da escuridão da lua nova até o brilho da lua cheia, sendo no passado
mitológico um belo pássaro que pertencia à deusa Eostre e que transformou-se em
coelho, mas que continuou com sua essência interior de pássaro. Por isso,
continuou enchendo os ninhos de ovos. Daí a associação do coelho com os ovos de
páscoa. Por isso, Vine (1999, p.1137) faz o seguinte comentário:
A Festa da
Páscoa, celebrada pelos cristãos nos tempos pós-apostólicos, era uma
continuação da festa judaica, mas não foi instituída por Cristo, nem estava
relacionada com a quaresma. A festa pagã em honra a deusa da primavera, Eostre
(outra forma do nome Astarte, um dos títulos da deusa caldeia, a rainha do
céu), era completamente diferente da Páscoa; porém, a festa pagã foi
introduzida na religião apóstata ocidental, disfarçada de “páscoa”, como parte
da intenção de adaptar as festas pagãs no seio da cristandade. Por isso, recebe
o nome de Easter (Páscoa) em inglês, derivado de Eostre, o que evidencia a
verdadeira origem pagã da chamada “Páscoa Cristã”, que não coincide com tempo
da Páscoa judaica.
O
VERDADEIRO SIGNIFICADO DA PÁSCOA BÍBLICA
Depois de 430 anos de escravidão
no Egito, Deus liberta os hebreus após as dez pragas do Egito, e passam a
comemorar a festa da páscoa, instituída por Deus para aquele povo, em
comemoração a este feito (Ex 12:26,27), chamando-a de Pessach (x;s,P), que
significa “passar sobre” ou “passar por cima”, em alusão a Êxodo 12:13. A
páscoa, instituída pelo Senhor, tinha a finalidade de fazer com que os hebreus
lembrassem da vida de escravidão e da tão grande libertação que o Senhor lhes
deu.
Podemos observar que todos que
participaram da páscoa estavam em obediência e submissão. Eles estavam
“prontos”. Realizaram a páscoa com temor, reverência, obediência, respeito e
educação. Posteriormente, o apóstolo Paulo repreende os coríntios por não
fazerem o mesmo na Ceia do Senhor (1Co 11:17-22).
A ordem do Senhor, para os
hebreus, foi para a páscoa ser comemorada no dia 14 do mês de abibe (nisã),
pois foi este o dia em que os hebreus saíram do Egito. Ainda, deveria ser
comemorada durante sete dias e deveria ser destituída do fermento, que
representa o pecado, a impureza (Lv 2:11). A festa, ainda, deveria ser
comemorada com o pão asmo, pois sabemos que este representa a sinceridade e
verdade (1Co 5:7,8). Por último, encontramos as ervas amargas, o cordeiro
pascal e o sangue. As ervas, para lembrar da amargura da escravidão; o cordeiro,
para ser comido por todos sem que nenhum pedaço sobrasse (Ex 12:4),
simbolizando a remissão de pecados e a morte do cordeiro que é suficiente para
todos; e o sangue, que deveria ser passado nos umbrais (ombreira, soleira) das
portas (Ex 12:7), que simbolizaria a proteção Divina sobre aqueles.
Ao celebrar a última páscoa
antes da crucificação, Jesus Cristo realizou algumas mudanças e “adaptações” da
tradicional festa, cumprindo o significado da páscoa em Si mesmo.
Algumas expressões e figuras
utilizadas no Antigo Testamento, apontavam para a pessoa de Cristo e Seu
sacrifício. Por exemplo: enquanto as ervas amargas, na páscoa, simbolizavam a
amargura da escravidão, na Ceia, simbolizam a amargura da traição (Jo 13:18; Sl
41:9); enquanto o pão asmo, na páscoa, simbolizava a dureza do Egito e saída às
pressas (Dt 16:3), na Ceia simboliza o corpo de Cristo (Mt 26:26; 1Co 11:24);
enquanto, na páscoa, o sangue simbolizava a segurança contra a morte (Ex 11:6,7,
12:7), na Ceia simboliza a remissão de pecados representado pelo vinho (Mt
26:27,28; 1Co 11:25); enquanto, na páscoa, o cordeiro simboliza a remissão de
pecados trazida através do sacrifício de um ser inocente, macho, sem mácula,
sem nenhum osso quebrado (Ex 12:5,6,46), na Ceia simboliza o próprio Jesus
Cristo que foi entregue à morte por nossa causa (Jo 1:29). Com isso, temos a
adaptação da páscoa judaica para a Igreja, denominada de Ceia do Senhor.
Existem consequências
espirituais ao celebrarmos a Ceia do Senhor e estas podem ser benéficas ou não,
dependendo do nosso entendimento, atitude e situação espiritual, pois a Ceia é:
1) Momento de recordação do que Ele fez por nós. Jesus Cristo disse isso em Lc 22:19, pois a Ceia é um memorial, ou seja, um momento no qual lembramos do sacrifício de Cristo em nosso lugar;
2) Anunciação de Sua morte. Paulo disse isso em 1Co 11:26, que completa o 1º ponto, pois não só devemos lembrar do que Cristo fez, mas devemos anunciar que o Senhor se entregou por nós;
3) Um ritual de aliança. Paulo ensinou isso em 1 Co 6:17, pois temos uma aliança com o Senhor e, por isso, estamos moldados ao Senhor, unidos, juntos e incorporados. Simbolicamente, a Ceia reafirma essa aliança;
4) Um tempo de comunhão. Em 1 Co 11:33 o apóstolo Paulo revela outro significado da Ceia, que é o sentido de comunhão. Ou seja, tudo em comum. Judas chama de festa do amor (Jd 12), a festa do amor de Deus, o amor ágape;
5) Um ato de consequências espirituais. A Ceia é um momento de consequências espirituais, boas ou não. É um momento de bênção ou de castigo. Bênção porque Paulo ensinou em 1Co 10:16 que “o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo?”. Estamos identificados com Cristo, unidos com Ele, recordando e anunciando o que Ele fez, e recebendo as bênçãos oriundas Dele. Por isso, a Ceia do Senhor, é o momento no qual reafirmamos isso tudo, renovando a aliança publicamente. Maldição porque “quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si” (1Co 11:29). Ou seja, muitas pessoas podem ficar doentes e até mesmo chegar à morte prematura por participarem da Ceia do Senhor de forma indigna. Em 1Co 11:28, o apóstolo ensina que aquele que participa da Ceia deve examinar a si mesmo, e não os outros.
O momento da Ceia é decisivo na
vida de um cristão, porque naquele momento chega a hora de decidir se
participará da Ceia, arrependendo-se de seus pecados e abandonando-os, ou se
continuará com o pecado e abandonará a Ceia do Senhor. Não é hora de deixar de
participar da Ceia por causa do pecado, é a hora de deixar o pecado por causa
da comunhão com Cristo.
Por isso, é necessário entender
que o misticismo da antiguidade vem permeando a sociedade moderna, no intuito
de distorcer o verdadeiro sentido da Páscoa para o cristão, que é a Ceia do
Senhor, e que tem por finalidade trazer a consciência da morte de Cristo e sua
consequente ressurreição, através da celebração da Ceia que nos faz recordar,
anunciar, renovar a aliança, proporcionar comunhão e produzir consequências
espirituais.
Dessa forma, não há proibição
alguma para que se comemore a Páscoa, desde que seja feita nos moldes bíblicos,
o que exclui o coelho e os ovos de chocolate, que não possuem nenhuma relação
com a Escritura, e sim com o paganismo. Então, os cristãos deveriam aproveitar
essa época do ano e fazer a coisa certa, proporcionando um jantar entre irmãos,
com comunhão, Ceia e louvor a Deus. Deveriam proporcionar uma verdadeira festa
ágape, a festa do amor de Deus entre os irmãos.
[1] O termo Mamon, encontrado na
Bíblia, é utilizado para descrever a riqueza material ou ganância. A palavra,
originária do hebraico mamom (!Am'm),
significa literalmente dinheiro.
Referências Bibliográficas:
CIAFFONE, Andréa. Preço do Ovo de Páscoa é 411% mais caro que chocolate em barra. Disponível em: <http://www.dgabc.com.br/News/6017221/preco-do-ovo-de-pascoa-e-411-mais-caro-que-chocolate-em-barra.aspx>. Acesso em 10 abr 2013.
CIRLOT, Juan-Eduardo. Diccionario de Símbolos. Barcelona: Editorial Labor, 1992.
ELIADE, Mircea. Imagens e Símbolos. Lisboa: Editorial Minerva, 1979.
INGRAHAM, David. Pagan Traditions of the Holidays. Oklahoma City: Hearthstone Publishing, 2000.
VINE, W. E. Vine Diccionario Expositivo de Palabras del Antiguo y del Nuevo Testamento Exhaustivo. Nashville: Editorial Caribe, 1999.