Uma reflexão sobre
algumas dificuldades para tratar do pecado e do pecador na Igreja
Robson T. Fernandes
Existem grandes dificuldades para tratarmos corretamente o
pecado e o pecador. Essas dificuldades podem ser geradas por diversas razões.
Vejamos algumas delas:
1) FALTA DE PREPARO BÍBLICO-TEOLÓGICO. Pela falta de embasamento
bíblico adequado para tratar da questão corretamente, a disciplina pode ser
aplicada sem as presenças do amor, da doutrina e da esperança de restauração.
Daí, a disciplina passa a ser destrutiva e não restaurativa. Porém, a
finalidade da disciplina não é destruir ninguém, mas trazê-lo de volta à
consciência para que haja arrependimento e para este seja restaurado e
reintegrado ao Corpo de Cristo. A finalidade da disciplina não é jogar a pessoa
fora, mas jogar o pecado para fora da pessoa;
2) CUMPLICIDADE. Quando há a cumplicidade com o pecador em
questão e não há a disposição de sofrer as consequências junto com aquele que
foi disciplinado, prefere-se a omissão ou o disfarce (o uso de uma máscara para
o público), dando a falsa impressão que ninguém sabia de nada ou de que não era
conivente com tal pecado. Daí, o pecado e o pecador são tratados de forma
errada e de forma incompleta, porque o culpado é “executado” mas os cúmplices
não. Na verdade, em boa parte dos casos são os próprios cúmplices que condenam
o principal culpado;
3) DESCARTE. Muitas vezes, quando o pecado é descoberto, a
disciplina é aplicada por desejo de vingança, autojustificação ou oportunidade.
VINGANÇA, porque haviam mágoas escondidas em um coração que não foi tratado e
que sempre buscou o momento certo para dar o troco pelas disciplinas
anteriormente recebidas. AUTOJUSTIFICAÇÃO, porque ao mesmo tempo em que havia a
ciência dos atos cometidos também havia a conivência com tais atos. Então, buscar
disciplinar o autor do pecado pode ser um meio do sujeito tentar apaziguar a
própria consciência, na busca de tentar “se limpar” de alguma forma. OPORTUNIDADE,
porque em uma luta por poder e pelo desejo de ascender a posição desejada, e
que agora está vazia, aquele que executa a disciplina pode estar fazendo isso simplesmente
pelo desejo de ocupar o lugar daquele que foi disciplinado;
4) FALTA DE AMOR. Como já foi dito, a finalidade da
disciplina não é destruir ninguém, mas tentar, através de uma atitude extrema,
trazer à consciência aquele que cometeu o pecado. Portanto, a disciplina nunca deve
ser aplicada sem o amor. O disciplinado não pode ser tratado como alguém
descartável. Isso é um erro comum cometido por várias igrejas quando, por
exemplo, estas descobrem pecados na vida de seus pastores. Quando isso acontece,
a igreja quase nunca demonstra o mesmo amor, graça e cuidado que o pastor
demonstrou quando seus membros foram descobertos em pecado. Aqui observamos um
fator triste sobre isso: quando a igreja disciplina um membro, os próprios
membros se unem para dar apoio àquele que foi “castigado”, mas nos casos dos
pastores, parece que são os próprios membros que se encarregam de não demonstrar
o mesmo cuidado que receberam no passado com aquele que um dia os apascentou;
5) DESEQUILÍBRIO EMOCIONAL. O choque causado pela descoberta
de um pecado pode ser alarmante e pode produzir um profundo desequilíbrio e
instabilidade. Esse é o momento crítico em que muitas pessoas podem ficar vulneráveis.
Portanto, a disciplina bíblica deve ser aplicada sim, mas acompanhada de muita oração
e domínio próprio. Decisões sérias e que tenham implicações profundas não devem
ser tomadas por pessoas que tenham instabilidade emocional ou moral, porque agirão
movidos por desejos desequilibrados e por isso os resultados serão destrutivos;
6) OMISSÃO. Alguns outros casos que dificultam o trato do
pecado é o surgimento de outro pecado igualmente nocivo: a omissão. A omissão
nada mais é que uma mistura de covardia, egoísmo, narcisismo e hedonismo. COVARDIA,
porque esta é a falta de coragem, medo, timidez, fraqueza de ânimo ou um
caráter traiçoeiro. EGOÍSMO, porque isto é o amor excessivo ao bem próprio, sem
consideração aos interesses alheios, é o exclusivismo que faz o indivíduo
referir tudo a si próprio (egocentrismo) e que, por isso, os princípios éticos
e morais que envolvem a comunidade não são levados em conta já que ferem seus
interesses ou convicções particulares. NARCISISMO, porque o amor ao próprio ego
impede que decisões sérias e importantes sejam tomadas pelo bem da comunidade e
para a restauração do próprio disciplinado, exatamente porque o narcisista está
preocupado com a sua aparência e qualquer surgimento público de um pecado é uma
séria ameaça a aparência que este deseja manter. HEDONISMO, porque esta é a
busca pelo prazer individual e imediato como se isto fosse o único bem possível
e a razão de seu bem estar e objetivo final. Portanto, aquele que não busca se
envolver na solução do problema para a purificação da Igreja é omisso, e a
omissão reside nos pecados da covardia, egoísmo, narcisismo e hedonismo. Lembrando,
entretanto, que a “solução do problema para a purificação da Igreja” não é
jogar o pecador fora, mas jogar fora o pecado. Se pensarmos que a solução for jogar
o pecador para fora da Igreja devemos entender que não sobrará ninguém, nem
mesmo nós (1Jo 1:10).
Por fim, uma das marcas de uma igreja saudável é a
Disciplina Bíblica. Se houve o pecado deve haver sim a disciplina, mas essa
disciplina não pode ser aplicada de outra forma que não seja aquela
estabelecida pela própria Sagrada Escritura e aquele(s) que executa(m) a
disciplina deve(m) estar apto(s) para isso. Então, até nos casos extremos de
exclusão, que é a disciplina máxima que uma igreja pode aplicar, isso deve ser
feito debaixo de muita oração e com a expectativa do Senhor tratar do coração
do disciplinado para que lhe seja gerado o arrependimento e para que este seja restaurado
e reintegrado na Igreja de Cristo. A finalidade da disciplina, como a própria definição
da palavra determina, deve ser a busca pela organização da vida ou o
estabelecimento da ordem para que as coisas funcionem corretamente, tanto na
vida pessoal como na vida da comunidade. A disciplina deve produzir ensino,
instrução e educação.
Se a disciplina não tiver o objetivo de produzir estas
coisas (ensino, instrução e educação) estará sendo exercida de forma errada e
não bíblica e se isso estiver ocorrendo, aqueles que executam a disciplina
também estarão sujeitos a serem disciplinados. Por isso, quem estiver em pé
cuide para que não caia (1 Co 10:12) e deve-se, primeiro, tirar a trave do
próprio olho, para só depois buscar tirar o cisco no olho do irmão (Mt 7:5).
UMA PALAVRA FINAL
Devemos entender que o pecado é algo
espiritual que tem consequências emocionais e físicas, inclusive (Gn 3:9,1017).
Como o pecado é algo de origem espiritual, deve ser tratado dessa forma. Então,
em se tratando de questões espirituais, devemos compreender que é o Espírito
Santo quem molda o coração do homem. Sabendo de tudo isso, a Igreja deve
utilizar a disciplina quando necessário sim, mas compreendendo sempre que é o
Senhor Deus quem molda o coração daquele que foi disciplinado. Não adianta
querer utilizar a disciplina para tentar “forçar a barra” para que haja
arrependimento. O arrependimento é obra do Espírito Santo. Então, da mesma
forma que o Senhor usa a disciplina para tratar do coração do disciplinado e
lhe gerar arrependimento, o Senhor também utiliza toda essa situação para
tratar do coração da Igreja, lhe ensinado a orar, esperar no Senhor, amar o
pecador, exercer Graça e ansiar por reconciliação e restauração.