O choro silencioso de
crianças e famílias abusadas
Robson T. Fernandes
Uma das coisas que mais alegra o coração de um servo de Deus
é poder falar das grandezas do Senhor para que as pessoas sintam suas vidas
preenchidas pela bondade do Pai celestial. Mas, infelizmente esse não será o
nosso caso hoje. Antes de qualquer coisa, preciso confessar que escrevo esse
texto com o coração partido e lágrimas nos olhos, ao mesmo tempo em que sou
tomado por um sentimento que mistura indignação, raiva, impotência, desejo de
justiça e vergonha.
Antes de começarmos é importante reafirmar que a Igreja
bíblica não é representada por uma denominação religiosa e nem por uma
estrutura eclesiástica, ela é formada por um povo que foi salvo pelo sacrifício
do Senhor Jesus. Essa Igreja deve ser conhecida como a coluna e o baluarte da
verdade (1Tm 3:15). O compromisso com a verdade deve ser a marca fundamental do
povo de Deus, especialmente porque a verdade, o acesso à verdade e o
conhecimento da verdade é que conduzem o povo à libertação (Jo 8:32). Se a
Igreja não estiver profundamente comprometida com a verdade, ela jamais saberá
o que significa liberdade em Cristo, ela jamais terá credibilidade na
sociedade, nada mais valerá a pena, nada mais importará, nada terá valor porque
ela viverá escravizada a uma vida de mentira. É exatamente pela falta desse
entendimento que Ronald Sider afirmou que “o comportamento escandaloso tem
destruído rapidamente o cristianismo [...], os cristãos afirmam com os lábios
que Jesus é Senhor, mas com os atos demonstram lealdade ao dinheiro, ao sexo e
a seus interesses pessoais” [1].
Diante desse chamado Sagrado, para vivermos uma vida
fundamentada na verdade, somos moralmente obrigados a reconhecer, por mais que
doa e por mais que machuque, que a triste verdade é que a pedofilia é uma
realidade não só na igreja católica, como muitos já estão habituados a falar,
mas também é uma dolorosa realidade na igreja evangélica.
Recentemente temos presenciado o aumento do número de casos
de pedofilia na igreja evangélica, cometidos por aqueles que deveriam ser os
guardiões da fé, os apascentadores do rebanho, os conselheiros, os
intercessores, os instrutores e líderes da Igreja: os pastores.
Para termos uma noção da gravidade e da intensidade dos
casos de pedofilia na igreja evangélica, mesmo que esta noção seja superficial,
podemos citar alguns casos como: pastor Edison Luiz Freitas, preso por
pedofilia no Pará [2]; pastor Dionísio da Silva Mattos, preso por pedofilia no
Rio de Janeiro [3]; pastor Josuel Gonçalves de Souza, preso por pedofilia em
Brasília [4]; pastor José Roberto Góes, preso por pedofilia em Goiás [5]; pastor
Raimundo Teodoro Pereira Filho, preso por pedofilia no Maranhão [6]; pastor
Sérgio Benito González Saez, preso por pedofilia em Curitiba [7]; pastor
Franckmar Almeida de Souza, preso por pedofilia no Amazonas [8]; pastor
Reginaldo Sena dos Santos, preso por pedofilia no Rio de Janeiro [9]; pastor
Francisco Vicente Correa Filho e a esposa, Elizabeth Graff, presos por
pedofilia no Paraná [10]; pastor Geraldo Pereira Nunes, preso por pedofilia em Curitiba
[11]; pastor Antônio Pedroso, preso por pedofilia no Paraná [12]; pastor José
Sardinha, preso por pedofilia em São Paulo [13]; pastor Vicente Pires, preso
por pedofilia em Brasília [14]; pastor Alcindo Cristovão Miranda, preso por
pedofilia em Porto Velho [15]; pastor Robson Gomes dos Santos, preso por
pedofilia no Maranhão [16]; pastor Wilmar Martis de Barros, preso por pedofilia
em Pernambuco [17]; pastor Valdivino Oliveira, preso por pedofilia no Amazonas
[18]; pastor Edson Alves da Costa Filho, preso por pedofilia no Rio de Janeiro
[19]; pastor Pedro Paulo Costa, preso por pedofilia no Amazonas [20]; pastor Dirlei
Francisco da Silva, preso por pedofilia em Porto Alegre [21]; pastor Cleyson
Alves de Souza, preso por pedofilia em Manaus [22]; pastor Edimário Gama de
Freitas, preso por pedofilia na Bahia [23] etc. Muitos e muitos outros casos
poderiam ser citados, inclusive alguns que incluem o acobertamento e ajuda de “fiéis”
das igrejas dos pastores pedófilos e até das próprias esposas.
Para mim que sou pastor, ter que escrever sobre esse tipo de
coisa é doloroso demais. É o mesmo que expor o meu nobre ofício pastoral à
vergonha pública, ao triste escândalo que atravessa meu coração como uma lança.
Não desejo jamais ser confundido com os monstros que praticam esse tipo de
coisa abominável e muito menos desejo ser chamado de conivente ou indiferente. O
divino ofício pastoral é para mim honroso, nobre e maravilhoso, e me dói
profundamente ver que tem sido maculado e desacreditado por causa desses monstros,
discípulos de Judas Iscariotes.
Para mim que sou pai de uma linda menina, ter que escrever
sobre esse tipo de coisa é o mesmo que me confrontar publicamente com uma
profunda indignação e raiva. Chego a sentir ira. Ao mesmo tempo, por causa da
imundícia desses cães do inferno que estão dentro da Igreja me encontro num
conflito vergonhoso como pai e pastor. Sinto vergonha porque ao mesmo tempo em que
meu coração de pai me leva à ira, o meu coração de pastor me leva ao desejo de
justiça da maneira correta. Lembro-me que são “bem-aventurados os que têm fome
e sede de justiça porque eles serão fartos” (Mt 5:6). Vem então o choque: como
equilibrar corretamente esses dois sentimentos? Lembro-me de Efésios 4:26, “irai-vos,
e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira”. Então entendo que a ira
deve ser controlada e a justiça deve ser buscada da maneia certa. Poupar esses
lobos devoradores para evitar um escândalo não é ser espiritual, não é ter
Graça e nem exercer Misericórdia, é, antes de tudo, ser covarde, omisso,
cúmplice e apoiador de monstros que violentam crianças indefesas e inocentes
dentro da Igreja.
Para mim que não sou advogado, promotor, desembargador, juiz
e nem tenho nenhuma função na área do direito ou da justiça, ter que escrever
sobre esse tipo de coisa é o mesmo que me confrontar com um profundo desejo de
justiça ao mesmo tempo que me deparo com um sentimento de impotência. Porém, se
a mim não cabe fazer a justiça, cabe sim a obrigação moral de conduzir tais
cães à presença daqueles que o Senhor Deus constituiu como autoridades
responsáveis pela execução da lei, que foi deixada para o bem do povo (Romanos
13). No Texto Sagrado de Romanos 13 encontro a ordem Divina que me faz tratar
dessa questão, pelo motivo certo e da forma certa.
Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores;
porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem
foram por ele instituídas.
De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à
ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.
Porque os magistrados não são para temor, quando se
faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o
bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu
bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a
espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.
É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente
por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência.
Por esse motivo, também pagais tributos, porque são
ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço.
(Romanos 13:1-6)
Então, como teólogo, pastor, pai, homem e filho de Deus o
que me resta fazer, por enquanto, é esboçar em palavras a verdade, na esperança
de que esta verdade abra os olhos daqueles que têm a autoridade para agir e
daqueles que foram abusados para que tenham a coragem de falar. Isso não
apagará as marcas deixadas por esses monstros no passado, mas ajudará outras
pessoas no presente para que não sejam abusadas por esses mesmos monstros que
ainda estão soltos. Então, declaro publicamente que imagino a dor e o
sofrimento daqueles que foram abusados por quem os devia proteger, e, por isso,
convido os que foram abusados por falsos pastores que façam a denúncia aos
órgãos públicos responsáveis. Tenham coragem e entendam que, assim como foi em
muitos outros casos, assim que a primeira pessoa fizer a denúncia e esta se
tornar pública, muitas outras o farão também. Então, a verdade será
estabelecida, muitas outras crianças serão poupadas de passar pelo mesmo abuso
e a justiça começará a ser feita.
Muito embora essa questão seja muitíssimo delicada,
especialmente para mim que sou pastor, incentivo a todos que sabem de casos
como esses que formalizem a denúncia, para que o mundo saiba que existem igrejas
evangélicas que não comungam com esse tipo de absurdo, que ainda existem
crentes fiéis ao Senhor, que ainda há um remanescente comprometido com a
verdade e que, apesar da dor e da vergonha, ainda há povo de Deus sobre a face
da Terra.
Com lágrimas nos olhos e uma profunda dor no coração: Robson
T. Fernandes, um pastor.
[1]. SIDER, Ronald J. O escândalo do comportamento evangélico.
Viçosa: Ultimato: 2006.
[15]. http://www.rondoniagora.com/noticias/pastor-acusado-de-estupro-e-preso-em-porto-velho-2012-04-25.htm
SOBRE O AUTOR:
Robson T. Fernandes é graduado em Teologia pelo STEC e pelo IBRMEC e Mestre em Hermenêutica e Teologia do Novo Testamento pelo Betel Brasileiro. Tem se dedicado desde 1998 ao ensino e pesquisa na área de Hermenêutica, Apologética, História, Teologia e Fé e Ciência. É pastor auxiliar e líder da Secretaria de Ensino da Igreja Cristã Nova Vida. É escritor e co-autor do livro “Apostasia, Nova Ordem Mundial e Governança Global” (em co-autoria com Augustus Nicodemus Lopes, Russell Shedd, Norman Geisler, Uziel Santana e Norma Braga).
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