sexta-feira, 22 de junho de 2012

FESTAS JUNINAS


Uma análise contemporânea à luz da Cultura e da Bíblia

Robson T. Fernandes

Em seu livro, Contracultura Cristã, John Stott afirma que “a cultura do mundo e a contracultura de Cristo estão em total desarmonia uma com a outra. Resumindo, Jesus parabeniza aqueles que o mundo mais despreza, e chama de "bem-aventurados" aqueles que o mundo rejeita”[1]. Então, de que forma o mundo iria rejeitar ou odiar os cristãos? Só se estes andassem na contramão do mundo, através de palavras mas especialmente de ações.

Acredito que esta é a questão que diz respeito ao envolvimento de cristãos com aquilo que o mundo tem oferecido, e mais ainda, este não é apenas um assunto meramente teórico, mas algo que diz respeito a um estilo de vida, é algo prático. Nesse sentido, é preciso compreender que, se por um lado, abraçar por completo qualquer manifestação cultural seria o mesmo que fugir de um cristianismo bíblico e sadio, por outro lado abandonar ou rejeitar qualquer tipo de cultura seria o mesmo que desprezar ou rejeitar a Graça Comum.

Graça Comum é um conceito da teologia reformada que diz respeito à graça de Deus que é derramada sobre toda a humanidade. A graça de Deus foi definida por Gotthold Lessing[2] como “beleza em movimento”, e o Dr. Augustus Nicodemus declara que “Deus concede às pessoas, sendo elas cristãs ou não, capacidade, habilidades, perspicácia, criatividade, talentos naturais para as artes em geral, para a música – enfim, aquilo que chamamos de graça comum”[3].

Dessa forma, entra em pauta a discussão sobre a permissividade ou proibição da comemoração das festas juninas e outras mais.

Antes de qualquer coisa, preciso esclarecer que este assunto diz respeito – diretamente – a cultura na qual estou inserido, pois sendo nordestino e natural da cidade de Campina Grande, cresci habituado com as práticas e costumes do mês de junho, quando tudo é dedicado à essas festas. Então, tendo conhecimento de causa e vivência pessoal, vejo, ano após ano, a minha cidade natal arrogar para si o título de "Maior SÃO JOÃO do mundo", em uma corrida e competição com a cidade de Caruarú, que busca para si o mesmo título. Aqui, a festa é bem forte e possui raízes na idolatria. Mas esta não é uma realidade exclusiva de nossa cidade, e sim de todas aquelas que estão na região Nordeste, sendo – dessa forma – mais forte do que em outras partes do país. Especialmente nas cidades do interior nordestino as pessoas acendem fogueiras apenas nos dias de "São João", "São Pedro" e "Santo Antônio". Por quê? Porque isso tem um sentido e significado fortíssimos para o nordestino, que é predominantemente católico apostólico romano. Esse fato é tão forte e influente que muitos nem chamam de "festas juninas", mas de "festas joaninas", em homenagem ao santo, que nesta região é idolatrado.

Dito isto, podemos entender que, mais que em qualquer outro lugar, este debate tem implicações mais profundas e acaloradas na região Nordeste, e por isso, boa parte dos cristãos dessa região tendem a rejeitar tais festas em definitivo. Por outro lado, se não houver o equilíbrio necessário estaremos formando um exército de cristãos aversos à cultura, o que também não seria correto. Então, como e aonde encontrar o equilíbrio?

Primeiramente, penso que precisamos compreender o que é cultural, simplesmente, e o que é cultural religioso. Mas, nem sempre é fácil fazer a separação de ambos. Quando tal separação é feita se torna mais fácil reprovar os aspectos culturais que são miscigenados com aspectos religiosos e que se contrapõem à Palavra de Deus. Nesse sentido o Dr. Augustus Nicodemus resume o problema com a seguinte questão: “Portanto, a grande questão sempre foi aquela do limite – onde eu risco a linha de separação? Até que ponto os cristãos podem desfrutar deste mundo, até onde podem se amoldar à cultura deste mundo e fazer parte dela?”[4].

Ainda, John Stott faz a seguinte afirmação:

Há uma diferença fundamental entre os cristãos e os não-cristãos, entre a igreja e o mundo É verdade que alguns não-cristãos adotam uma falsa aparência de cultura cristã. Por outro lado, alguns cristãos professos parecem indiscerníveis dos não-cristãos e, assim, negam o nome de cristão através do seu comportamento não-cristão. Mas a diferença essencial permanece. Podemos dizer que são tão diferentes quanto o alho do bugalho. Jesus disse que são tão diferentes como a luz e as trevas, tão diferentes como o sal e a deterioração ou a doença. Quando tentamos obliterar, ou até mesmo reduzir ao mínimo esta diferença, não servimos a Deus, nem a nós mesmos, nem ao mundo[5].

Então, no momento em que um cristão se posiciona contra aspectos culturais que são contrários a Sagrada Escritura, ele não deseja rejeitar a cultura por completo, mas apenas corrigir aspectos que foram distorcidos como resultado do pecado de Adão.

Mas, se Jesus comia com publicanos e pecadores e participava de festas, não podemos nós agir da mesma forma? Eu digo que sim. Devemos agir da mesma forma que Jesus, mas antes de qualquer precipitação, precisamos entender a forma de agir de Cristo.

Primeiramente, Jesus participava de casamentos e manifestações culturais que diziam respeito a religião judaica, que tinha por base e fundamento a Escritura Sagrada, o Antigo Testamento. Este não é o nosso caso hoje, já que nosso país segue outra direção religiosa. Depois, em nenhuma ocasião vemos Jesus participando de festas pagãs e que envolviam aspectos de outras religiões. Na verdade, quando Cisto se dirige aos discípulos e afirma que as portas do inferno não iriam prevalecer contra a igreja (Mt 16:18), Ele estava próximo de um lugar de culto a deuses pagãos, conhecido como “portas do inferno”, localizado em Cesaréia de Filipe, que era chamada anteriormente de Panéias, nome dado em homenagem a uma divindade chamada Pã[6]. Por que, então, Cristo vai até este lugar para perguntar aos discípulos quem o povo dizia que Ele era e quem os discípulos pensavam que Ele era? Por que Jesus saiu de Dalmanuta, em uma praia do Mar da Galiléia próxima de Magdala, atravessa Betsaída, ao pé do Monte Hermom, e vai até Cesaréia de Filipe para fazer esta pergunta? Porque andar tanto, e até atravessar o Mar da Galiléia, que tem cerca de 19Km de extensão e 13 Km de largura? Bem, Jesus não queria um lugar calmo para conversar com os discípulos. Ele queria que seu nome fosse glorificado no meio do lugar onde se realizava a maior idolatria daquela região. Ele queria anunciar, naquele lugar, que aquele tipo de prática não tinha nada haver com a Sua igreja, e que na verdade aquilo um dia iria acabar, mas a Sua igreja iria prevalecer, mesmo diante das portas do inferno, que era o lugar onde se faziam sacrifícios a falsos deuses.

Jesus não participou de festas de cunho pagão. Ele anunciou a Sua glória e prometeu que tais práticas não iriam suplantar a Sua Igreja.

O pastor Misael Nascimento faz a seguinte afirmação, sobre as festas juninas:

Inicialmente, declaro meu respeito aos colegas pastores e irmãos em Cristo que não enxergam problemas na realização desse tipo de atividade. Eu mesmo já acreditei que isso podia ser feito sem prejuízos para o testemunho cristão e fiz isso de muito boa fé, com a alma sincera diante de Deus. No entanto, mudei de posição. Hoje, creio que a produção de versões evangélicas de festas juninas não é recomendável por algumas razões. Primeiro, porque estamos saturados de versões gospel de tudo: Temos uma quase inesgotável lista de práticas e “produtos” gospel. É preciso compreender que não fomos chamados a imitar o mundo e sim a transformá-lo (1Jo 2.15-17).
Em segundo lugar, há outro problema denominado associação. É possível que, ao participar de uma festa junina gospel, sejam feitas associações com o evento original, de origem e significado idolátricos – queiramos ou não, festas juninas estão ligadas às crenças da ICAR[7]. Cristãos sensíveis podem sentir um desconforto inexplicável diante disso. Visitantes interessados na fé protestante exigirão explicações mais detalhadas sobre as razões da realização de tal noite caipira “calvinista”.
Sendo assim, parece-me mais adequado considerar as festas juninas evangélicas entre aquelas coisas que o apóstolo Paulo chama de lícitas, mas inconvenientes e não-edificantes (1Co 10.23). Nessas questão, pensemos primeiramente nos interesses do corpo de Cristo, e não nos nossos (1Co 10.24). Não sou contra comer bolo de milho, ou canjica, ou pé-de-moleque. Gosto de batata-doce assada na brasa e me delicio com um bom curau e uma música caipira de raiz. Desfrutemos dessas coisas, porém, na privacidade de nossos lares ou fora do contexto de festas caipiras nos meses de junho e julho. Não porque tais iguarias sejam pecaminosas em si, mas para evitar associações indesejáveis.[8]

Toda prática cristã deve estar alicerçada em uma boa compreensão do texto bíblico, e acredito que uma boa elucidação para essa questão é apresentada pelo apóstolo Paulo em 1Coríntios 10:14-22. Por isso, como cristãos, devemos alicerçar nossas crenças e práticas na Escritura Sagrada, e não em argumentos sócio-culturais e filosóficos e muito menos em falácias.

Portanto, meus amados, fugi da idolatria. Falo como a criteriosos; julgai vós mesmos o que digo. Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo. Considerai o Israel segundo a carne; não é certo que aqueles que se alimentam dos sacrifícios são participantes do altar? Que digo, pois? Que o sacrificado ao ídolo é alguma coisa? Ou que o próprio ídolo tem algum valor? Antes, digo que as coisas que eles sacrificam, é a demônios que as sacrificam e não a Deus; e eu não quero que vos torneis associados aos demônios. Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios. Ou provocaremos zelos no Senhor? Somos, acaso, mais fortes do que ele? (1Co 10:14-22).

A hermenêutica moderna é desconstrucionista e por isso visa retirar o sentido original do texto, dado pelo autor e escritor, e submeter tal sentido ao leitor. Isto é uma falácia e uma tendência da sociedade contemporânea que visa, simplesmente, deturpar, distorcer e usar o texto como bem quiser. Porém, o texto não é do leitor, mas do autor.

Se utilizarmos uma hermenêutica sadia, histórico-gramatical, perceberemos que o sentido do texto é dado pelo autor e escritor, e não pelo leitor. Daí, encontraremos duas leis fundamentais aqui, a Lei do Contexto e a Lei da Aplicação.

A Lei do Contexto nos fará entender que o apóstolo estava tratando de um problema cultural que estava seduzindo a igreja de Corinto, pois esta igreja estava participando de festas pagãs. Primeiramente o apóstolo lhes faz lembrar de sua própria história, para que recordem que “todos comeram de uma mesma comida espiritual” (10:3) e que “todos beberam de uma mesma bebida espiritual” (10:4), ainda que “Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto” (10:5). Paulo faz lembrar que Deus trouxe juízo sobre seu povo por que ignoraram a comunhão com o Senhor, passando a ter comunhão com o mundo, e que isto deveria servir de exemplo para a sua igreja (10:6).

A Lei da Aplicação nos fará ver que o apóstolo Paulo afirma que a igreja não deveria ser idólatra (10:7), não deveria se prostituir (10:8), não deveria tentar a Cristo (10:9) e não deveria murmurar contra o Senhor (10:10). Ainda, o apóstolo afirma que a igreja deveria entender o juízo que sobreveio aos antepassados como um exemplo do que lhes poderia ocorrer no presente (10:11,12). Também, o apóstolo traz um alívio, pois declara que não há carga sobre a igreja que esta não possa suportar, pois “não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar” (10:13).

Mas, de que forma uma igreja se tornaria idólatra, prostituta, tentaria a Cristo e murmuraria contra o Senhor? Essa explicação é apresentada nos versículos seguintes. Entre os versículos 14 e 22 o apóstolo argumenta que ao participar de uma festa pagã, o cristão estaria comungando com as mesmas práticas, ensinos e costumes da festa, e porque tais festas são oferecidas aos demônios (10:20) isso implicaria na comunhão com demônios (10:21). O argumento do apóstolo é que ao participar da Ceia está se renovando a comunhão com Cristo (10:16,17), e da mesma forma, ao participar desse tipo de festa está declarando comunhão com os demônios (10:20). Dessa forma, isso seria um insulto e desrespeito a Ceia do Senhor e ao próprio Senhor, pois ninguém pode servir ao Senhor e aos demônios ao mesmo tempo (10:21).

Então, no caso das festas juninas, que possuem profunda ligação com a idolatria, encontramos exceção? Acredito que não.

Por outro lado, acredito que não há problemas em pessoas acenderem fogueiras, comerem canjica, pamonha, milho cozido ou assado e nem qualquer outro tipo de comida, “pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graça, nada é recusável, porque pela palavra de Deus, e pela oração, é santificado” (1Tm 4:4,5). Contudo, alguns cuidados devem ser tomados. Por exemplo: Que não haja associação com as festas idólatras, especialmente nos dias dedicados a tais “santos” (São João, São Pedro e Santo Antônio); Devemos fugir não só do que é mal, mas também daquilo que parece ser mal (1Ts 5:22); Não precisamos imitar o mundo e suas práticas para atrairmos pessoas, especialmente se tais práticas não possuem fundamentação bíblica; Precisamos ter cuidado com aquilo que aprovamos (Rm 14:22), para que os de fora não pensem que compactuamos com práticas que a Bíblia reprova; Tudo o que fizermos, deve ser feito sem resquícios de idolatria e para glorificar unicamente ao Senhor (Fp 4:8).

Se queremos retirar os aspectos religiosos e idólatras de uma festa, e apreciar apenas o lado positivo e cultural da mesma, a graça comum, uma limpeza deve ser feita, e o primeiro aspecto religioso das festas juninas é o dia de sua comemoração, que é dedicado a tais “santos”. Então, penso que devemos começar por aqui, e depois pelos aspectos religiosos que envolvem tais comemorações.

Por último, penso que uma boa conclusão para este breve artigo, já foi dado previamente pelo Dr. Augustus Nicodemus, com a seguinte declaração:

O grande desafio que Jesus e os apóstolos deixaram para os cristãos foi exatamente este, de estar no mundo, ser enviado ao mundo, mas não ser dele (Jo 17:14-18). Implica em não se conformar com o presente século, mas renovar-se diariamente (Rm 12:1-3), de não ir embora amando o presente século, como Demas (2Tm 4:10). É ser sal e luz.
Para os que deixam de levar em conta a presença da corrupção humana na cultura, os poetas, músicos, artistas e cientistas se tornam em sacerdotes, a produção deles em sacramento e costurar e tecer em evangelização[9].

Então, vá em paz e não peques mais.



[1] STOTT, John R. W. Contracultura Cristã: A mensagem do Sermão do Monte. São Paulo: ABU, 1981.
[2] Filósofo e dramaturgo alemão no século XVIII.
[3] Disponível em: . Acesso em: 22 jun 2012.
[4] Idem.
[5] Idem.
[6] Na mitologia grega era o deus dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores.
[7] ICAR: Igreja Católica Apostólica Romana.
[8] Disponível em: . Acesso em: 21 jun 2012.
[9] Idem.