quarta-feira, 23 de abril de 2014

EXISTEM APÓSTOLOS HOJE?


Uma pequena explicação sobre os apóstolos de Efésios 4.11

Pr. Robson T. Fernandes

Uma discussão tem sido gerada há algum tempo sobre a possibilidade da existência de apóstolos para a atualidade. Normalmente, a defesa de sua existência é feita por aqueles que fazem parte do Movimento da Fé, especialmente pela busca de uma autoridade própria e particular que visa colocá-los em pé de igualdade com a autoridade bíblica.

A palavra “apóstolo” não significa apenas “alguém enviado”, mas alguém enviado com a autoridade de quem o enviou. É exatamente o mesmo sentido de alguém que tem uma procuração. O procurador não é apenas alguém enviado, mas alguém que foi enviado com a autoridade de quem o enviou, podendo falar em seu nome. Isto também é traduzido como “mandato”. Por isso que Jesus disse: “Este mandato recebi de meu Pai” (Jo 10:18). Ou seja, Jesus veio como um procurador do Pai, um representante com os mesmos poderes legais (Lc 2:49; Jo 5:43, 10:25,36,37, 15:15)

De forma resumida e direta ao ponto, os próprios apóstolos bíblicos nos dão as seguintes características que deveriam identificar um verdadeiro apóstolo de Cristo: 

1. Ter visto o Senhor e ser testemunha visual de Sua ressurreição (At 1:22; 1 Co 9:1);
2. Ser agraciado com dons miraculosos (At 5:15-16; Hb 2:3-4);
3. Ter sido escolhido, pessoalmente, pelo Senhor ou pelo Espírito Santo (Mt 10:1-2; At 1:26).

Essas qualidades por si só já excluem a possibilidade de apóstolos para a atualidade, mas ainda assim alguns insistem em utilizar esse título como uma espécie de posição privilegiada na hierarquia da igreja, e para isso utilizam o texto de Efésios 4:11.
E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, outros para pastores e mestres.
Pois bem, vamos então fazer uma análise rápida do texto na língua original em que foi escrito, o grego.
καὶ αὐτὸς ἔδωκεν τοὺς μὲν ἀπόστολους, τοὺς δὲ προφήτας, τοὺς δὲ εὐαγγελιστάς, τοὺς δὲ ποιμένας καὶ διδασκάλους
Ao observarmos os dons ministeriais citados no texto encontramos:

1) Apóstolos (ἀπόστολους)
2) Profetas (προφήτας)
3) Evangelistas (εὐαγγελιστάς)
4) Pastores e mestres (ποιμένας καὶ διδασκάλους)

Curiosamente, quando o texto foi traduzido para o português, esses termos foram precedidos de “uns” e de “outros”. Por quê?

“uns para” apóstolos
“outros para” profetas
“outros para” evangelistas
“outros para” pastores e mestres

Porque apenas a termo “apóstolo” é precedido de “uns para” enquanto que todos os outros dons são precedidos por “outros para”?

O texto poderia muito bem ter sido escrito assim: “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, e uns para profetas, e uns para evangelistas e uns para pastores e mestres”. Mas não foi. Por quê?

O texto ainda poderia ter sido escrito assim: “E ele mesmo concedeu outros para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, outros para pastores e mestres”. Mas também não foi. Por quê?

Observe que antes do termo "apóstolo" a expressão que a parece é τοὺς μὲν, e antes dos outros dons (profetas, evangelistas, pastores e mestres) a expressão que a parece é τοὺς δὲ. Por quê?

O perito em grego Edward Robinson nos apresenta a seguinte explicação sobre τοὺς μὲν, que aparece antes de “apóstolo”:
Uma partícula conjuntiva que expressa afirmação ou concessão, certamente, de fato, e ao mesmo tempo aponta adiante para alguma coisa antitética[1] ou diferente, que é então comumente anexada com δὲ ou uma partícula equivalente; de modo que μὲν e δὲ correspondem um ao outro, e indicam a prótase[2] e a apodose[3] [...] elas [μὲν e δὲ] indicam mera transição.
(ROBINSON, Edward. Léxico Grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012. p.565)
O uso do termo “τοὺς μὲν” é feita antes de apóstolo, em Efésios 4:11, porque tem o objetivo de apresentar uma oposição entre esse dom e os demais. Essa oposição não tem outro objetivo a não ser demonstrar que no decorrer da história da Igreja de Cristo o apostolado foi dado como prótase. A prótase era “no antigo teatro grego, a primeira parte da ação dramática, na qual o argumento é anunciado e se inicia o seu desenvolvimento” (Dicionário Aurélio). Ou seja, era um dom que fazia parte da história inicial da Igreja, mas que foi sucedido pelos demais dons. Por essa razão, também, que o termo “τοὺς μὲν” é traduzido como: “anterior”.

Ainda, o mesmo perito em grego apresenta a seguinte explicação sobre “τοὺς δὲ” que aparece antes dos demais dons ministeriais (profetas, evangelistas, pastores e mestres):
Partícula colocada após uma ou mais palavras numa oração, indicando que a palavra ou oração com a qual ela permanece deve ser distinguida de algo precedente. Ela indica assim uma transição para alguma outra coisa; quer oposta ao que precede, de modo que δὲ é então adversativa.
(ROBINSON, Edward. Léxico Grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012. p.195)
Dessa forma, o termo “τοὺς δὲ” é utilizado para fazer uma clara distinção entre o Don do apostolado e os demais dons de Efésios 4:11. Essa distinção ocorre exatamente em sua colocação na história da Igreja. Por isso os apóstolos estão presentes apenas na Igreja primitiva. Ainda, é notório que houve uma “transição”. Essa transição consiste exatamente no não surgimento de novos apóstolos após esse período histórico.

Deveríamos raciocinar da seguinte forma: Se o Novo Testamento contém instrução sobre o exercício dos dons ministeriais, a exemplo dos profetas, pastores, mestres etc. por que não possui orientações sobre o ministério apostólico? Certamente porque esses dons já eram entendidos pelos próprios apóstolos e pela Igreja Primitiva como temporários e exclusivos para a sua época.

Por último, o último dom citado (pastores e mestres), tem sido visto por alguns como dois dons distintos. Contudo, o uso da conjunção aditiva “e” (καὶ) é feita para ligar, unir, dois termos de funções idênticas. Por isso, poderíamos dizer que todo pastor deve ser mestre, mas nem todo mestre foi chamado para ser pastor.



NOTAS

[1] Antitética: Figura pela qual se salienta a oposição entre duas palavras ou ideias.Oposição por contrariedade, ou por contradição, entre dois termos ou duas proposições.

[2] Prótase: A primeira parte dum período gramatical. Oração subordinada condicional.

[3] Apodose: A segunda parte de um período gramatical, em relação à primeira, chamada prótase, de cujo sentido é complemento. Numa construção condicional, a oração principal.