domingo, 1 de janeiro de 2017

O QUE EU PENSO SOBRE AS FESTIVIDADES NO DECORRER DO ANO


Robson T. Fernandes

Vivemos dias difíceis para a Igreja, porque não temos que lidar apenas com o pecado em si e com os ataques externos, mas também com conflitos internos, especialmente aqueles que são gerados por discordâncias quanto ao que deve ou não ser praticado. O debate se torna ainda mais acirrado quando se fala da comemoração de festas no decorrer do ano, como Páscoa, Natal, festas juninas, Réveillon etc.

Toda prática cristã deve estar alicerçada em uma boa compreensão do texto bíblico e acreditamos que uma boa elucidação para essa questão é apresentada pelo apóstolo Paulo em 1Coríntios 10:14-22. Por isso, como cristãos, devemos alicerçar nossas crenças e práticas na Escritura Sagrada, e não em argumentos socioculturais e filosóficos, e muito menos em falácias.

Portanto, meus amados, fugi da idolatria. Falo como a criteriosos; julgai vós mesmos o que digo. Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo. Considerai o Israel segundo a carne; não é certo que aqueles que se alimentam dos sacrifícios são participantes do altar? Que digo, pois? Que o sacrificado ao ídolo é alguma coisa? Ou que o próprio ídolo tem algum valor? Antes, digo que as coisas que eles sacrificam, é a demônios que as sacrificam e não a Deus; e eu não quero que vos torneis associados aos demônios. Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios. Ou provocaremos zelos no Senhor? Somos, acaso, mais fortes do que ele? (1Coríntios 10:14-22)

Antes de entender esse texto (1Co 10:14-22) precisamos compreender que a hermenêutica moderna é desconstrucionista e, por isso, visa retirar o sentido original do texto, dado pelo autor e escritor, e submeter tal sentido ao leitor. Isto é uma falácia e uma tendência da sociedade contemporânea que visa, simplesmente, deturpar, distorcer e usar o texto como bem quiser. Porém, o texto não é do leitor, mas do autor. Portanto, se utilizarmos uma hermenêutica sadia, histórico-gramatical, perceberemos que o sentido do texto é dado pelo autor e escritor, e não pelo leitor. Daí, encontraremos duas leis fundamentais, a Lei do Contexto e a Lei da Aplicação.

A Lei do Contexto nos fará entender que o apóstolo estava tratando de um problema cultural que estava seduzindo a igreja de Corinto, pois esta igreja estava participando de festas pagãs. Primeiramente, o apóstolo lhes faz lembrar de sua própria história, para que recordem que “todos comeram de uma mesma comida espiritual” (1Co 10:3) e que “todos beberam de uma mesma bebida espiritual” (1Co 10:4), ainda que “Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto” (1Co 10:5). Paulo faz lembrar que Deus trouxe juízo sobre seu povo porque ignorou a comunhão com o Senhor, passando a ter comunhão com o mundo, e que isto deveria servir de exemplo para a sua Igreja (1Co 10:6).

A Lei da Aplicação nos fará ver que o apóstolo Paulo afirma que a igreja não deveria ser idólatra (1Co 10:7), não deveria se prostituir (1Co 10:8), não deveria tentar a Cristo (1Co 10:9) e não deveria murmurar contra o Senhor (1Co 10:10). Ainda, o apóstolo afirma que a igreja deveria entender o juízo que sobreveio aos antepassados como um exemplo do que lhes poderia ocorrer no presente (1Co 10:11,12). Também, o apóstolo traz um alívio, pois declara que não há carga sobre a igreja que esta não possa suportar, pois “não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar” (1Co 10:13).

Mas, de que forma uma igreja se tornaria idólatra, prostituta, tentaria a Cristo e murmuraria contra o Senhor? Essa explicação é apresentada nos versículos seguintes. Entre os versículos 14 e 22, o apóstolo argumenta que ao participar de uma festa pagã, o cristão estaria comungando com as mesmas práticas, ensinos e costumes da festa, e porque tais festas são oferecidas aos demônios (1Co 10:20) isso implicaria na comunhão com demônios (1Co 10:21). O argumento do apóstolo é que ao participar da Ceia está se renovando a comunhão com Cristo (1Co 10:16,17), e, da mesma forma, ao participar desse tipo de festa está declarando comunhão com os demônios (1Co 10:20). Dessa forma, isso seria um insulto e desrespeito a Ceia do Senhor e ao próprio Senhor, pois ninguém pode servir ao Senhor e aos demônios ao mesmo tempo (1Co 10:21).

Outro fator a ser observado é que boa parte daquilo que se faz e se pratica em nossa sociedade é de origem pagã. Os jogos olímpicos foram criados para homenagear Júpiter, considerado o deus dos deuses, o deus supremo; as festas juninas e as fogueiras dessa festa foram criadas claramente para homenagear as divindades idolatradas no catolicismo romano; as religiões antigas já praticavam os batismos; a prática de embalsamar os mortos é de origem pagã; os dias da semana em latim foram nomeados em homenagem a divindades pagãs [1], os meses do ano foram nomeados em homenagem a divindades pagãs quando deuses e números batizaram as divisões do ano [2]; os planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno foram nomeados em homenagem aos deuses da mitologia greco-romana. O simples ato de falar "saúde" quando alguém espirra tem origem pagã; a roupa que você usa talvez tenha sido confeccionada por um pagão; a maioria dos programas de TV são pagãos. Enfim, a nossa cultura está imersa em práticas pagãs.

O que fazer diante de tudo isso?

Alguns escolhem uma vida ascética, isolada do mundo e da sociedade, se enclausurando em seus redutos como monges místicos que se confinam em seus mosteiros.

Pensamos de uma forma diferente.

Vejamos, por exemplo, os casos de Jesus Cristo, que participou de festas que não haviam sido ordenadas pela Sagrada Escritura, a exemplo das festas de Purim[1] e Hanucah (Chanukah)[2]. Vejamos, ainda, a prática judaica de enfaixar seus mortos, como fizeram com Lázaro (Jo 11:44) e com Jesus (Jo 19:40, 20:7) e que foi aprendida pelos judeus durante o seu tempo de escravidão no Egito.

Na verdade, o que está por trás dessa rejeição de festas, datas, artes etc. é a influência do docetismo na vida daqueles que se dizem seguidores de Cristo.

Como proceder diante de toda essa polêmica?

Em primeiro lugar, devemos fugir da aparência do mal, nos consagrar a Deus e fazer todas as coisas para a glória do Senhor.

Então, enquanto alguns dizem ser errado celebrar o Réveillon, pois esta seria uma festividade em homenagem ao deus Jano, o que deveríamos fazer?

Pergunto: qual o pecado em estar reunido com irmãos para louvar ao Senhor e cultuá-Lo num Culto de romper de ano?

Réveillon é um termo francês originário do verbo réveiller, que significa “acordar” ou “reanimar”. No início era usado para se referir a uma refeição leve consumida à noite, para impedir que as pessoas sentissem sono e dormissem. Posteriormente foi utilizado para se reportar àquela Ceia de Natal, na véspera (24 dez). Contudo, no século XX este termo passou a ser utilizado para as festas de Ano Novo, para se referir a uma ceia festiva de passagem de ano.

O que dizer ainda do Natal?

No ano 270 d.C. o imperador Aureliano oficializou o culto ao deus Sol Invictus, que reunia elementos do mitraísmo, e tornou-se a base do paganismo romano. Como disse Junito de Souza Brandão (1987, p.37):

O culto de Mitra, de origem iraniana, comportava igualmente o sacrifício de um touro, mas num contexto ritual bastante diferente do acima descrito. As tropas romanas difundiram o culto desse grande deus asiático por todo o Império. No dia 25 de dezembro, após o solstício do inverno, quando os dias recomeçam a crescer, celebrava-se o renascimento do Sol, o Natalis Solis, quer dizer, o nascimento de Mitra, deus salvador, vencedor invencível, nascido de um rochedo[3].

Alguns utilizam esse fato histórico para afirmar, por exemplo, que o Natal é uma festa pagã e que por isso não deveria ser comemorado. Contudo, concordo com a afirmação do historiador Junito de Souza Brandão, quando afirma que “o Natalis Domini, o Natal de Cristo, foi colocado no dia 25 de dezembro exatamente para substituir e vencer (e o venceu para sempre) o "renascimento" do invencível Mitra”.

É aqui que reside o meu argumento. Não devemos comemorar as festas pagãs, não devemos ter comunhão com as práticas pagãs, assim como afirmou o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 10, mas devemos criar elementos, festas e comemorações, nessas mesmas datas para que a Verdade do Evangelho vença as práticas pagãs. Aqui não se trata de tentar cristianizar os elementos pagãos de nossa cultura, mas de vencer a mentira com a Verdade.

Se no passado adoravam Mitra no dia 25 de dezembro, os cristãos passaram a adorar Jesus, o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Se na Páscoa adoram o coelhinho, vamos retornar à Sagrada Escritura e anunciar o verdadeiro sentido da Páscoa. Se em junho comemoram as festas juninas vamos usar a capacidade criativa que o Senhor deu ao seu povo para fazermos algo de diferente que sirva para glorificar a Deus e anunciar a Verdade do Evangelho de Cristo de maneira que aquilo que fazemos não seja confundido com aquilo que o mundo faz. Que mais uma vez Cristo vença os Mitras de nossa cultura.

Em nossa cultura, no Réveillon, as pessoas se vestem com roupas brancas, usam simpatias, fazem oferendas, tomam um espumante, pulam sete ondas, falam rezas, repetem frases de efeito e chavões e buscam saber o futuro pela boca de feiticeiros que dizem poder prever o futuro. São pessoas que buscam se livrar das dores do ano que passa e tentam se preparar para o ano que se aproxima com misticismos e toda sorte de práticas que são cabalmente reprovadas pelo próprio Deus, o misticismo espiritualista. Por isso recomendamos que os cristãos se reúnam para cultuar ao Senhor, reavaliar suas vidas, e anunciar o Evangelho.

Assim como nossos irmãos no passado se reuniram para glorificar a Deus no meio de uma sociedade que cultuava a Mitra, vamos fazer o mesmo nessa época do ano, para que mais uma vez a Verdade vença a mentira.





[1]. Dias da semana
solis dies - dia do Sol
lunae dies - dia da Lua
martis dies - dia de Marte
mercurii dies - dia de Mercúrio
iovis dies - dia de Júpiter
veneris dies - dia de Vênus
saturni dies - dia de Saturno

[2]. Meses do ano
JANEIRO – em homenagem a Jano, deus de duas faces, uma voltada para a frente e outra para trás, e era o protetor das entradas e saídas
FEVEREIRO – em homenagem ao festival romano chamado Februália, quando se faziam sacrifícios aos mortos
MARÇO – em homenagem a Marte, deus da guerra
ABRIL – em homenagem a Afrodite, deusa do amor.
MAIO – em homenagem a Maia, deusa responsável pelo crescimento das plantas e mãe de Mercúrio
JUNHO – em homenagem a Juno, deusa protetora das mulheres.
JULHO – em homenagem a Júlio César, visto pelos romanos como uma divindade.
AGOSTO – em homenagem a César Augusto, visto pelos romanos como uma divindade.
SETEMBRO – em homenagem a septem, o sétimo mês do primeiro calendário romano
OUTUBRO – em homenagem a octo, o oitavo mês do primeiro calendário romano.
NOVEMBRO – em homenagem a novem, o nono mês do primeiro calendário romano
DEZEMBRO – em homenagem a decem, o décimo mês do primeiro calendário romano.





[1] Uma festa relacionada ao que aconteceu no livro de Ester, e provavelmente a festa relatada em João 5.
[2] Uma festa iniciada na época dos Macabeus, que comemorava o livramento do povo judeu, citada em João 10.23-30.
[3] BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Volume I. Petrópolis: Vozes, 1987.