quinta-feira, 10 de novembro de 2016

A RELAÇÃO ENTRE JOEL 2 E ATOS 2


Robson T. Fernandes

O texto de Joel 2:28-32 é uma profecia que diz respeito ao derramamento do Espírito sobre “toda carne” “naqueles dias”. Em uma citação ao referido texto, Pedro – em seu discurso no dia de pentecostes – faz menção a esta passagem, declarando que “isto é o que foi dito pelo profeta Joel:”, em Atos 2:16.

A interpretação acerca do cumprimento desta profecia se divide. Também, o entendimento sobre o seu período de tempo encontra opiniões divergentes por parte de diversos comentaristas bíblicos. Podemos enumerar, pelo menos três principais posições acerca desta passagem:
1.      A primeira interpretação apresenta a passagem como se Pedro estivesse fazendo menção a esta profecia tratando-a como tendo o seu cumprimento completo naquele dia;
2.      A segunda interpretação trata da passagem como se esta estivesse se cumprindo parcialmente, e sua segunda parte aguardasse o Dia do Senhor;
3.      A terceira interpretação afirma que Pedro se referiu a ação do Espírito Santo na passagem de Joel como um argumento para explicar que o que estava acontecendo naquela ocasião era uma ação Divina na inauguração da Igreja, durante o pentecostes que era a festa das colheitas (Atos 2).

Em primeiro lugar, é preciso verificar a tradução do texto nas principais versões em língua portuguesa:
“o que ocorre é o que foi dito... :” (RA)
“isto é o que foi dito... :” (ACF e RC)
“Pelo contrário, isto é o que foi predito... :” (NVI)

Prosseguindo, percebemos que utilizar a expressão “isto é”, seguida de dois pontos, é diferente de utilizar a expressão “o que ocorre”, especialmente porque o termo que aparece no original é “isto é” (τοῦτο ἐστιν).

Ao utilizar a expressão “o que ocorre” dá-se a ideia de que o que está acontecendo em Atos 2 é de fato o cumprimento de Joel 2:28-32. Por outro lado, ao utilizar-se a expressão “isto é” seguido de dois pontos, dá-se a ideia de que o autor está apenas fazendo uma citação para fundamentar um fato.

O correto, observando o texto em seu idioma original, não seria a expressão “o que ocorre”, mas sim “isto é” (τοῦτο ἐστιν), que está de acordo com as versões Revista e Corrigida (RC), Almeida Revista e Fiel (ARF) e Nova Versão Internacional (NVI).

Ainda, traduzindo o texto original (ἀλλὰ τοῦτο ἐστιν τὸ εἰρημένον διὰ τοῦ προφήτου Ἰωήλ·), o termo “isto é” é identificado como linguagem de similaridade, ou seja, uma expressão que denota comparação e semelhança e não uma linguagem de cumprimento. Portanto, Pedro em seu discurso, ao afirmar “isto é o que foi dito” não está afirmando que a profecia estava tendo o seu cumprimento naquele momento, mas está fazendo uma comparação para que aqueles que estivessem presentes na ocasião percebessem que se os fatos de Joel ocorrerão por ação do Espírito Santo, aqueles de Pentecostes também eram uma ação do Espírito do Senhor.

Em segundo lugar, na profecia de Joel 2:28 encontramos: “E acontecerá, depois”. Mas, depois de quê? Analisando o contexto completo de Joel percebemos que o profeta está falando, anteriormente, do período de tempo identificado por Daniel, Isaías e Jeremias como a Tribulação.

Nesta passagem, Joel trata dos eventos citados como algo futuro, ao utilizar muitas expressões no tempo futuro, como: “derramarei”, “profetizarão”, “sonharão”, “terão visões”, “derramarei”, “naqueles dias”, “mostrarei”, “converterá”, “acontecerá” e “estarão”. Este tempo futuro é identificado nas informações citadas anteriormente, em que se refere a restauração de Israel (comparar Jl 2:18-27 com Ezequiel 37:1-14), o que só ocorrerá no fim da Tribulação. É neste período de tempo que a profecia de Joel se cumprirá.

Em terceiro lugar, os dons do Espírito citados no texto de Joel 2:28-32 são: sonhos, visões e profecias. Todavia, o dom do Espírito citado em Atos é “língua”.

Muitos argumentam que a expressão “língua” utilizada em Atos 2 se refere a mensagem profética, o que encaixaria com um dos dons citados em Joel: profecia. Mesmo que isso esteja certo, os outros dois dons citados na profecia de Joel, sonhos e visões, nunca são citados, de nenhuma forma em Atos 2. Então, se o Pentecostes de Atos 2 foi o cumprimento parcial da profecia de Joel deveria citar os dons apresentados na referida profecia, mas isto não ocorre.

Em quarto lugar, segundo Joel 2:28,29 o Espírito seria derramado “sobre toda carne”, porém esta expressão “toda carne” é logo explicada pelo próprio texto, ao afirmar que se refere a “vossos filhos e vossas filhas”, “vossos velhos”, “vossos jovens” e “os servos e sobre as servas”. É importante observar a utilização do termo “vossos”, o que indica que toda carne citada em Joel está relacionada a Israel, que é o público alvo (destinatário) do livro de Joel.

Por outro lado, em Atos 2, o Espírito inicialmente é derramado sobre cento e vinte discípulos de Cristo, convencendo, posteriormente, quase três mil pessoas que estavam naquele local, mas que faziam parte de diversas outras localidades, como declara Atos 2:9-11: Partos, Medos, Elamitas, Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto, Ásia, Frígia, Panfília, Egito, Líbia, Judeus, Romanos, Cretenses e Árabes.

Portanto, mais uma vez observamos que a profecia de Joel 2:28-32 não se cumpre em Atos 2.

Em quinto lugar, Joel 2:30,31 apresenta sinais que deveriam acompanhar o cumprimento da profecia e que serviriam de evidência do cumprimento profético. São eles: Prodígios no Céu e na Terra: sangue, fogo, colunas de fumaça, o sol se converterá em trevas e a lua em sangue. Mas, nenhum desses eventos ocorre no Pentecostes, Atos 2.

Alguns alegoristas chegam a afirmar que o sangue citado em Joel 2 simbolizaria a “justificação”, o fogo simbolizaria a “purificação mediante a ação do Espírito Santo” e o vapor de fumaça simbolizaria o “juízo dos incrédulos”. Um dos problemas para esse tipo de interpretação, forçoso, é buscar respaldo para essas associações, já que nem sempre o sangue simboliza justificação (maldição – Gn 4:11; vida – Lv 17:11; castigo – Ex 7:19), nem sempre o fogo simboliza purificação (na maioria dos textos bíblicos, fogo está relacionado com julgamento: Lv 10:2; IISm 22:9; IIRs 1:14; Mt 5:22; Mc 9:44) e não existe fundamentação bíblica para afirmar que o vapor de fumaça simboliza o juízo dos incrédulos (Gn 2:6; Ex 19:18; Jo 36:27; Tg 4:14), mas em alguns casos simboliza a ira de Deus. Esse tipo de interpretação é regido pela mente do intérprete e não pelas regras hermenêuticas e exegéticas.

Por outro lado, se procedermos em uma interpretação que segue o método histórico-gramatical verificaremos que os sinais apresentados em Joel, mais uma vez, se encaixam perfeitamente com os mesmos sinais apresentados no Apocalipse e situados durante o período da Tribulação (Ap 6:12,17; 8:5-13).

Em sexto lugar, Joel 2:32 declara que “no monte Sião e em Jerusalém estarão os que escaparem, como disse o Senhor, e entre os sobreviventes aqueles que o Senhor chamar”. Por que estas duas afirmações neste texto?

De acordo com o próprio Joel, no capítulo 3:1-17, no final da Tribulação as nações serão reunidas em um grande cerco contra Israel, corroborando com Zacarias capítulos 12 e 14.

Portanto, em Joel 3:2 está escrito que todas as nações estarão no Vale de Josafá. Entre os versículos 9 e 12 encontramos a apresentação do denominado Armagedom, que encaixa os sinais do capítulo 2:30 com os do capítulo 3:15. Por último, Joel 3:17 apresenta o agrupamento das nações e de Israel em Sião e Jerusalém.

CONCLUSÃO

Podemos, portanto, concluir que Pedro não afirmou que a profecia de Joel estava se cumprindo naquele momento, mas estava fazendo uma comparação para que os ouvintes ponderassem acerca da ação do Espírito Santo, que agiria na profecia de Joel bem como estava agindo naquele momento (At 2).

Ainda, os dons apresentados em Joel não aparecem em Atos 2 e nem os sinais que testificam o cumprimento daquela profecia.


Portanto, e por fim, quando Joel diz “grande e terrível Dia do SENHOR” (Jl 2:31) está associando o Dia do SENHOR, neste caso, com o fim dos últimos dias, o fim dos tempos, como ode ser visto em Apocalipse.