Uma reflexão
sobre a condição de Maria (purificação) após o nascimento de Cristo
(apresentação) em Lucas 2:21-24
Pr. Robson T.
Fernandes
Vivemos
em dias nos quais diversos grupos e movimentos se apropriam indevidamente de
diversas passagens bíblicas para defender seus pontos de vista e distorções,
especialmente quando as condições sociais e religiosas de Jesus são
modificadas, a Sua pessoa é diminuída e a pessoa de Maria tem sido exaltada. Isto
tem sido feito para, de alguma forma, respaldar os ensinos distorcidos que
exaltam o ser humano em detrimento dos princípios Divinos expressos na sagrada
Escritura.
Pois
bem, analisando os textos bíblicos com mais cuidado, perceberemos claramente
que a realidade dos fatos é bem diferente daquela apresentada pelos defensores
de tais pensamentos. Muito embora sejamos de fato co-herdeiros com Cristo, essa
herança que nos foi dada unicamente pela Graça de Deus diz respeito a outros
fatores. Contudo, precisamos entender o contexto bíblico que circundava a
família de Cristo em seus primeiros dias de vida.
Completados oito dias para ser circuncidado o menino, deram-lhe o nome de JESUS, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido. Passados os dias da purificação deles segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, conforme o que está escrito na Lei do Senhor: Todo primogênito ao Senhor será consagrado; e para oferecer um sacrifício, segundo o que está escrito na referida Lei: Um par de rolas ou dois pombinhos. (Lc 2:21-24)
JESUS FOI
CIRCUNCIDADO
A
lei judaica ensinava que todo menino deveria ser circuncidado ao oitavo dia de
vida (Gn 17:12). Esta circuncisão fazia parte da iniciação estabelecida por
Deus com a nação de Israel e que tornava o hebreu participante dos privilégios
e promessas contidas nesse pacto feito com Abraão. Ao ser circuncidado, é
demonstrado que Jesus nasceu “sob a lei, para resgatar os que estavam sob a
lei” (Gn 4:4-5).
John
Davies (2011, p.256) diz o seguinte, sobre a circuncisão:
Foi instituído por Deus como rito da religião do povo de Israel e aplicado primeiramente a Abraão e a todos os de sua casa, fossem filhos, servos ou escravos, quer nascidos em sua casa, quer adquiridos por compra O ato consistia em cortar o prepúcio do pênis, operação esta que poderia ser praticada pelo chefe da família, ou por qualquer outro israelita, e até pela própria mãe, Êx 4.25; 1Mac 1.60. o tempo próprio para essa operação ritual era o oitavo dia depois de nascido o menino; e os nascidos antes da instituição dessa ordenança deveriam ser circuncidados em qualquer época de sua idade [...] A circuncisão era um ato de purificação religiosa, Hérod. 2.37, e em sua significação lata quer dizer abandonar todas as paixões carnais, Cl 2.11.
Então,
já que a circuncisão também significava “‘purificação”, o que dizer desse
ritual de purificação aplicado à Jesus? Será que Jesus era impuro para ser
purificado?
Não!
Especialmente porque Cristo foi circuncidado, segundo a Lei, quando tinha
apenas oito dias de nascido. Então, essa circuncisão de Cristo não diz respeito
à purificação de algum pecado seu e nem mesmo de sua natureza caída, já que
Jesus nem tinha uma natureza caída e nem havia praticado pecado algum. Esse
ritual de purificação, então, diz respeito ao cumprimento da exigência do
Antigo testamento, que introduzia Jesus Cristo, com judeu, à prática da lei.
Assim sendo, como já foi dito, Ele nasceu “sob a lei, para resgatar os que
estavam sob a lei” (Gn 4:4-5).
Esse
ritual não torna Jesus puro, mas demonstra publicamente que desde os seus
primeiros dias como homem Ele cumpriu todas as exigências da lei literalmente,
sem errar, sem falhar e sem negligenciar um único ponto ou detalhe. O ritual
não O tornava mais puro do que Ele é, mas o introduziu na Lei para demonstrar a
Sua pureza.
O MENINO
RECEBE UM NOME
Alguns
grupos conhecidos como Testemunhas de Yehoshuah e seus dissidentes, como Amigos
e Yehoshuah etc, têm afirmado que o nome “Iesus” é uma zombaria do nome de
Deus, já que no hebraico o termo “Yeh” significa “Deus” e “sus” significa “cavalo”.
Portanto, o nome Jesus seria apenas uma distorção do verdadeiro Deus e que
aqueles que o chamam por esse nome estariam adorando o “deus-cavalo” ao invés
do verdadeiro Deus. Esse argumento é completamente desprovido de qualquer
solidez ou seriedade e é um insulto à inteligência humana, porque Iesus é um nome
grego e “sus” é um termo hebraico. Então, como alguém pode utilizar um nome que
está em grego e lhe atribuir um significado que diz respeito ao hebraico? Isso
é o mesmo que observar um nome em português e ver o que significa em chinês.
Isso não faz nenhum sentido e nem possui nenhuma seriedade documental ou
intelectual, especialmente porque o nome Jesus vem do hebraico (Yehoshua) e
significa “Iavé é salvação”. Josué era chamado de Oshea ben Num (Oséias filho
de Num) (Nm 13:8; Dt 32:44), em que “Oshea” significa “salvação”. Moisés mudou
seu nome para Yehoshua ben Num, que significa “Josué filho de Num” (Nm 13:16). O
nome Iesus é a forma grega do nome hebraico Ieshua, e de acordo com o
Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, a letra “s” foi acrescentada
para facilitar a declinação. Vejamos: “Iesus é a forma gr. do antigo nome
judaico Yesua, forma esta que se obtém mediante a transcrição do heb.,
acrescentando-se um -s para facilitar a declinação” (COENEN, 2009, p.1075).
Podemos
observar que a Septuaginta utiliza o nome “Iesus” para “Yehoshuah”, já que esta
é a forma grega para o termo hebraico, com exceção de ICr 7:27 que utilizou o
termo Josué (Iousue). Ainda, o sumo sacerdote Josué, filho de Joazadaque, é
chamado em hebraico, ao mesmo tempo, de Yeshua (Ed 3:2,8; 4:3; 5:2; Ne 7:7) e
Yehoshua (Ag 1:1,12,14; 2:2,4; Zc 3:1,3,6,8,9; 6:11). É sabido pelos
historiadores e linguistas que após o cativeiro babilônico o nome Yehoshua passou
a ser conhecido como Yeshua, como pode ser visto em Neemias 8:17, quando Josué
é chamado Yeshua ben Num (Josué, filho de Num), e que até hoje em Israel Yeshua
é o nome hebraico para Jesus, como pode ser facilmente visto em qualquer versão
bíblica do Novo Testamento em hebraico.
Por
último, “cavalo” em grego é hyppos e não SUS, logo, Iesus não significa
deus-cavalo, como desejam os membros desta seita. Antes, Iesus é apenas a
transliteração do hebraico Yehoshuah, que significa “Deus salva”.
MARIA É
PURIFICADA
O
evangelista Lucas continua afirmando: “Passados os dias da purificação deles
segundo a Lei de Moisés”.
A
questão, então, é: Purificação de quem? E mais, purificação de quê?
A
purificação era uma exigência da lei do Antigo Testamento. Levítico 12:2 afirma
que o Senhor determinou que “se uma mulher conceber e tiver um menino, será
imunda sete dias; como nos dias da sua menstruação, será imunda”. Dessa forma,
se a mulher concebesse um menino ficaria impura sete dias, quando no oitavo
dia, dia da circuncisão da criança, ela seria purificada, mas ainda assim
deveria passar mais trinta e três dias afastada de todas as coisas que eram
tidas como sagradas. Caso ela tivesse parido uma menina esses dias seriam
dobrados. Ou seja, ao invés de sete dias seriam quatorze e depois, ao invés dos
trinta e três dias seriam sessenta e seis (Lv 12:45).
A
palavra purificação, no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, significa: ato
ou efeito de purificar. E a palavra purificar significa: livrar ou desembaraçar
de substâncias que alteram, corrompem, tirar mácula(s), tornar puro moralmente,
limpar, isentar. Na cultura hebraica, ensinava-se que havia quatro tipos de
purificações, segundo a Lei: Purificação de alguém que houvesse tocado em um cadáver
(Nm 19); purificação de um homem que tivesse fluxo seminal (Lv 15); purificação
de leprosos (Lv 14); purificação de parturientes (Lv 15).
O
Catolicismo Romano afirma, em seu Catecismo da Igreja Católica, que Maria “é a
figura mais pura da Igreja” (2000, p.20). Tal Catecismo ainda afirma:
Os Padres da tradição oriental chamam ã Mãe de Deus “a toda santa” (“Pan-hagia; pronuncie “pan-haguía”), celebram-na como “imune de toda a mancha de pecado, visto que o próprio Espírito Santo a modelou e dela fez uma nova criatura”. Pela graça de Deus, Maria manteve-se pura de todo o pecado pessoal ao longo de toda a vida. (2000, p.139)
Diante
do texto bíblico, o Catecismo da Igreja católica erra grotescamente, ao ignorar
o que significa a purificação e ao ignorar propositalmente que Maria, a mãe da
natureza humana de Jesus Cristo, teve de ser purificada já que estava impura e
cumprir o ritual por mais trinta e três dias após a circuncisão de Jesus
Cristo. Dessa forma, não podemos crer que Maria fosse pura.
Então,
a purificação de Jesus (circuncisão) é diferente da purificação de Maria, tanto
na prática como no significado. Se para Jesus a purificação que consistia na circuncisão,
e foi apenas um ritual que O introduziu na Lei para demonstrar a sua pureza,
para Maria a purificação consistiu na prática do ritual veterotestamentário da
oferta de pombinhas, que demonstrava a sua impureza e necessidade de favor
Divino para limpá-la de sua própria natureza pecaminosa e caída que foi herdada
de Adão.
O SACRIFÍCIO É
OFERECIDO
Uma
das afirmações mais recorrentes nos últimos tempos é a de que Jesus e sua
família eram ricos, ou que pelo menos não eram pobres. Essa afirmação é feita
para se defender o ensino da Teologia da Prosperidade de que já que Jesus era
rico e nós somos co-herdeiros com Cristo, também temos direito a essa riqueza e
posses materiais nessa vida, assim como Cristo e Sua família também o tiveram.
Contudo, uma simples leitura do texto bíblico nos mostrará que esse pensamento
está grandemente equivocado, especialmente porque o evangelista Lucas afirma
que “Todo primogênito ao Senhor será consagrado; e para oferecer um sacrifício,
segundo o que está escrito na referida Lei: Um par de rolas ou dois pombinhos”
(Lc 2:23,24).
Mais
uma vez, o texto bíblico está demonstrando que todas as exigências bíblicas da
Lei foram cumpridas desde cedo na vida de Jesus cristo, e que a Sua família era
composta por pessoas tementes a Deus e que buscavam uma vida de obediência aos
preceitos que o Senhor estabeleceu. Neste caso, a exigência é a de Levítico
12:6-8:
E, cumpridos os dias da sua purificação por filho ou filha, trará ao sacerdote um cordeiro de um ano, por holocausto, e um pombinho ou uma rola, por oferta pelo pecado, à porta da tenda da congregação; o sacerdote o oferecerá perante o SENHOR e, pela mulher, fará expiação; e ela será purificada do fluxo do seu sangue; esta é a lei da que der à luz menino ou menina. Mas, se as suas posses não lhe permitirem trazer um cordeiro, tomará, então, duas rolas ou dois pombinhos, um para o holocausto e o outro para a oferta pelo pecado; assim, o sacerdote fará expiação pela mulher, e será limpa.
A
Lei estabelecia que fosse trazida uma oferta ao sacerdote para purificar a mãe
pelo seu pecado (Lv 12:8). Essa oferta de sacrifício deveria ser um cordeiro de
um ano de idade. Mas, Lucas afirma que Maria não trouxe o cordeiro e sim um par
de aves (poderiam ser duas rolinhas ou dois pombinhos). Por quê? Porque esta era a
oferta de sacrifício dada por pessoas pobres, como determinava a própria Lei: “Mas,
se as suas posses não lhe permitirem trazer um cordeiro, tomará, então, duas
rolas ou dois pombinhos, um para o holocausto e o outro para a oferta pelo
pecado; assim, o sacerdote fará expiação pela mulher, e será limpa” (Lv 12:8).
Com
esse simples versículo, pelo menos duas distorções atuais são desfeitas. A
primeira delas é a ideia de que Maria era imaculada, ou seja, que ela era uma
mulher que é livre do pecado. Ora, se a própria Maria foi quem levou as duas aves
para serem oferecidas no ritual religiosos é porque ela mesma reconhecia que
era pecadora e que por si só não poderia resolver o problema de seu pecado, a
menos que contasse com a Graça imerecida do Senhor para lhe perdoar. A segunda
distorção, é a que diz respeito às posses materiais da família de Jesus. Se a
família de Cristo fosse rica Maria não teria levado duas aves para serem
sacrificadas, mas sim um cordeiro como aqueles que tinham melhores condições
financeiras faziam.
Portanto,
nem Maria era santa, no sentido popular como se afirma no catolicismo Romano, e
nem a família de Cristo era rica, como afirmam os defensores da Teologia da
Prosperidade.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
DAVIS,
John. Novo Dicionário da Bíblia. São
Paulo: Hagnos, 2011.
COENEN,
Lothar; BROWN, Colin. Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2009.
Dicionário
Aurélio da Língua Portuguesa.
Catecismo
da Igreja Católica. São Paulo: Edições Loyola, 2000.