quarta-feira, 26 de março de 2014

JESUS E MARIA: APRESENTAÇÃO E PURIFICAÇÃO


Uma reflexão sobre a condição de Maria (purificação) após o nascimento de Cristo (apresentação) em Lucas 2:21-24

Pr. Robson T. Fernandes

Vivemos em dias nos quais diversos grupos e movimentos se apropriam indevidamente de diversas passagens bíblicas para defender seus pontos de vista e distorções, especialmente quando as condições sociais e religiosas de Jesus são modificadas, a Sua pessoa é diminuída e a pessoa de Maria tem sido exaltada. Isto tem sido feito para, de alguma forma, respaldar os ensinos distorcidos que exaltam o ser humano em detrimento dos princípios Divinos expressos na sagrada Escritura.

Pois bem, analisando os textos bíblicos com mais cuidado, perceberemos claramente que a realidade dos fatos é bem diferente daquela apresentada pelos defensores de tais pensamentos. Muito embora sejamos de fato co-herdeiros com Cristo, essa herança que nos foi dada unicamente pela Graça de Deus diz respeito a outros fatores. Contudo, precisamos entender o contexto bíblico que circundava a família de Cristo em seus primeiros dias de vida.
Completados oito dias para ser circuncidado o menino, deram-lhe o nome de JESUS, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido. Passados os dias da purificação deles segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, conforme o que está escrito na Lei do Senhor: Todo primogênito ao Senhor será consagrado; e para oferecer um sacrifício, segundo o que está escrito na referida Lei: Um par de rolas ou dois pombinhos. (Lc 2:21-24)
JESUS FOI CIRCUNCIDADO

A lei judaica ensinava que todo menino deveria ser circuncidado ao oitavo dia de vida (Gn 17:12). Esta circuncisão fazia parte da iniciação estabelecida por Deus com a nação de Israel e que tornava o hebreu participante dos privilégios e promessas contidas nesse pacto feito com Abraão. Ao ser circuncidado, é demonstrado que Jesus nasceu “sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei” (Gn 4:4-5).

John Davies (2011, p.256) diz o seguinte, sobre a circuncisão:
Foi instituído por Deus como rito da religião do povo de Israel e aplicado primeiramente a Abraão e a todos os de sua casa, fossem filhos, servos ou escravos, quer nascidos em sua casa, quer adquiridos por compra O ato consistia em cortar o prepúcio do pênis, operação esta que poderia ser praticada pelo chefe da família, ou por qualquer outro israelita, e até pela própria mãe, Êx 4.25; 1Mac 1.60. o tempo próprio para essa operação ritual era o oitavo dia depois de nascido o menino; e os nascidos antes da instituição dessa ordenança deveriam ser circuncidados em qualquer época de sua idade [...] A circuncisão era um ato de purificação religiosa, Hérod. 2.37, e em sua significação lata quer dizer abandonar todas as paixões carnais, Cl 2.11.
Então, já que a circuncisão também significava “‘purificação”, o que dizer desse ritual de purificação aplicado à Jesus? Será que Jesus era impuro para ser purificado?

Não! Especialmente porque Cristo foi circuncidado, segundo a Lei, quando tinha apenas oito dias de nascido. Então, essa circuncisão de Cristo não diz respeito à purificação de algum pecado seu e nem mesmo de sua natureza caída, já que Jesus nem tinha uma natureza caída e nem havia praticado pecado algum. Esse ritual de purificação, então, diz respeito ao cumprimento da exigência do Antigo testamento, que introduzia Jesus Cristo, com judeu, à prática da lei. Assim sendo, como já foi dito, Ele nasceu “sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei” (Gn 4:4-5).

Esse ritual não torna Jesus puro, mas demonstra publicamente que desde os seus primeiros dias como homem Ele cumpriu todas as exigências da lei literalmente, sem errar, sem falhar e sem negligenciar um único ponto ou detalhe. O ritual não O tornava mais puro do que Ele é, mas o introduziu na Lei para demonstrar a Sua pureza.

O MENINO RECEBE UM NOME

Alguns grupos conhecidos como Testemunhas de Yehoshuah e seus dissidentes, como Amigos e Yehoshuah etc, têm afirmado que o nome “Iesus” é uma zombaria do nome de Deus, já que no hebraico o termo “Yeh” significa “Deus” e “sus” significa “cavalo”. Portanto, o nome Jesus seria apenas uma distorção do verdadeiro Deus e que aqueles que o chamam por esse nome estariam adorando o “deus-cavalo” ao invés do verdadeiro Deus. Esse argumento é completamente desprovido de qualquer solidez ou seriedade e é um insulto à inteligência humana, porque Iesus é um nome grego e “sus” é um termo hebraico. Então, como alguém pode utilizar um nome que está em grego e lhe atribuir um significado que diz respeito ao hebraico? Isso é o mesmo que observar um nome em português e ver o que significa em chinês. Isso não faz nenhum sentido e nem possui nenhuma seriedade documental ou intelectual, especialmente porque o nome Jesus vem do hebraico (Yehoshua) e significa “Iavé é salvação”. Josué era chamado de Oshea ben Num (Oséias filho de Num) (Nm 13:8; Dt 32:44), em que “Oshea” significa “salvação”. Moisés mudou seu nome para Yehoshua ben Num, que significa “Josué filho de Num” (Nm 13:16). O nome Iesus é a forma grega do nome hebraico Ieshua, e de acordo com o Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, a letra “s” foi acrescentada para facilitar a declinação. Vejamos: “Iesus é a forma gr. do antigo nome judaico Yesua, forma esta que se obtém mediante a transcrição do heb., acrescentando-se um -s para facilitar a declinação” (COENEN, 2009, p.1075).

Podemos observar que a Septuaginta utiliza o nome “Iesus” para “Yehoshuah”, já que esta é a forma grega para o termo hebraico, com exceção de ICr 7:27 que utilizou o termo Josué (Iousue). Ainda, o sumo sacerdote Josué, filho de Joazadaque, é chamado em hebraico, ao mesmo tempo, de Yeshua (Ed 3:2,8; 4:3; 5:2; Ne 7:7) e Yehoshua (Ag 1:1,12,14; 2:2,4; Zc 3:1,3,6,8,9; 6:11). É sabido pelos historiadores e linguistas que após o cativeiro babilônico o nome Yehoshua passou a ser conhecido como Yeshua, como pode ser visto em Neemias 8:17, quando Josué é chamado Yeshua ben Num (Josué, filho de Num), e que até hoje em Israel Yeshua é o nome hebraico para Jesus, como pode ser facilmente visto em qualquer versão bíblica do Novo Testamento em hebraico.

Por último, “cavalo” em grego é hyppos e não SUS, logo, Iesus não significa deus-cavalo, como desejam os membros desta seita. Antes, Iesus é apenas a transliteração do hebraico Yehoshuah, que significa “Deus salva”.

MARIA É PURIFICADA

O evangelista Lucas continua afirmando: “Passados os dias da purificação deles segundo a Lei de Moisés”.

A questão, então, é: Purificação de quem? E mais, purificação de quê?

A purificação era uma exigência da lei do Antigo Testamento. Levítico 12:2 afirma que o Senhor determinou que “se uma mulher conceber e tiver um menino, será imunda sete dias; como nos dias da sua menstruação, será imunda”. Dessa forma, se a mulher concebesse um menino ficaria impura sete dias, quando no oitavo dia, dia da circuncisão da criança, ela seria purificada, mas ainda assim deveria passar mais trinta e três dias afastada de todas as coisas que eram tidas como sagradas. Caso ela tivesse parido uma menina esses dias seriam dobrados. Ou seja, ao invés de sete dias seriam quatorze e depois, ao invés dos trinta e três dias seriam sessenta e seis (Lv 12:45).

A palavra purificação, no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, significa: ato ou efeito de purificar. E a palavra purificar significa: livrar ou desembaraçar de substâncias que alteram, corrompem, tirar mácula(s), tornar puro moralmente, limpar, isentar. Na cultura hebraica, ensinava-se que havia quatro tipos de purificações, segundo a Lei: Purificação de alguém que houvesse tocado em um cadáver (Nm 19); purificação de um homem que tivesse fluxo seminal (Lv 15); purificação de leprosos (Lv 14); purificação de parturientes (Lv 15).

O Catolicismo Romano afirma, em seu Catecismo da Igreja Católica, que Maria “é a figura mais pura da Igreja” (2000, p.20). Tal Catecismo ainda afirma:
Os Padres da tradição oriental chamam ã Mãe de Deus “a toda santa” (“Pan-hagia; pronuncie “pan-haguía”), celebram-na como “imune de toda a mancha de pecado, visto que o próprio Espírito Santo a modelou e dela fez uma nova criatura”. Pela graça de Deus, Maria manteve-se pura de todo o pecado pessoal ao longo de toda a vida. (2000, p.139)
Diante do texto bíblico, o Catecismo da Igreja católica erra grotescamente, ao ignorar o que significa a purificação e ao ignorar propositalmente que Maria, a mãe da natureza humana de Jesus Cristo, teve de ser purificada já que estava impura e cumprir o ritual por mais trinta e três dias após a circuncisão de Jesus Cristo. Dessa forma, não podemos crer que Maria fosse pura.

Então, a purificação de Jesus (circuncisão) é diferente da purificação de Maria, tanto na prática como no significado. Se para Jesus a purificação que consistia na circuncisão, e foi apenas um ritual que O introduziu na Lei para demonstrar a sua pureza, para Maria a purificação consistiu na prática do ritual veterotestamentário da oferta de pombinhas, que demonstrava a sua impureza e necessidade de favor Divino para limpá-la de sua própria natureza pecaminosa e caída que foi herdada de Adão.

O SACRIFÍCIO É OFERECIDO

Uma das afirmações mais recorrentes nos últimos tempos é a de que Jesus e sua família eram ricos, ou que pelo menos não eram pobres. Essa afirmação é feita para se defender o ensino da Teologia da Prosperidade de que já que Jesus era rico e nós somos co-herdeiros com Cristo, também temos direito a essa riqueza e posses materiais nessa vida, assim como Cristo e Sua família também o tiveram. Contudo, uma simples leitura do texto bíblico nos mostrará que esse pensamento está grandemente equivocado, especialmente porque o evangelista Lucas afirma que “Todo primogênito ao Senhor será consagrado; e para oferecer um sacrifício, segundo o que está escrito na referida Lei: Um par de rolas ou dois pombinhos” (Lc 2:23,24).

Mais uma vez, o texto bíblico está demonstrando que todas as exigências bíblicas da Lei foram cumpridas desde cedo na vida de Jesus cristo, e que a Sua família era composta por pessoas tementes a Deus e que buscavam uma vida de obediência aos preceitos que o Senhor estabeleceu. Neste caso, a exigência é a de Levítico 12:6-8:
E, cumpridos os dias da sua purificação por filho ou filha, trará ao sacerdote um cordeiro de um ano, por holocausto, e um pombinho ou uma rola, por oferta pelo pecado, à porta da tenda da congregação; o sacerdote o oferecerá perante o SENHOR e, pela mulher, fará expiação; e ela será purificada do fluxo do seu sangue; esta é a lei da que der à luz menino ou menina. Mas, se as suas posses não lhe permitirem trazer um cordeiro, tomará, então, duas rolas ou dois pombinhos, um para o holocausto e o outro para a oferta pelo pecado; assim, o sacerdote fará expiação pela mulher, e será limpa.
A Lei estabelecia que fosse trazida uma oferta ao sacerdote para purificar a mãe pelo seu pecado (Lv 12:8). Essa oferta de sacrifício deveria ser um cordeiro de um ano de idade. Mas, Lucas afirma que Maria não trouxe o cordeiro e sim um par de aves (poderiam ser duas rolinhas ou dois pombinhos). Por quê? Porque esta era a oferta de sacrifício dada por pessoas pobres, como determinava a própria Lei: “Mas, se as suas posses não lhe permitirem trazer um cordeiro, tomará, então, duas rolas ou dois pombinhos, um para o holocausto e o outro para a oferta pelo pecado; assim, o sacerdote fará expiação pela mulher, e será limpa” (Lv 12:8).

Com esse simples versículo, pelo menos duas distorções atuais são desfeitas. A primeira delas é a ideia de que Maria era imaculada, ou seja, que ela era uma mulher que é livre do pecado. Ora, se a própria Maria foi quem levou as duas aves para serem oferecidas no ritual religiosos é porque ela mesma reconhecia que era pecadora e que por si só não poderia resolver o problema de seu pecado, a menos que contasse com a Graça imerecida do Senhor para lhe perdoar. A segunda distorção, é a que diz respeito às posses materiais da família de Jesus. Se a família de Cristo fosse rica Maria não teria levado duas aves para serem sacrificadas, mas sim um cordeiro como aqueles que tinham melhores condições financeiras faziam.

Portanto, nem Maria era santa, no sentido popular como se afirma no catolicismo Romano, e nem a família de Cristo era rica, como afirmam os defensores da Teologia da Prosperidade.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAVIS, John. Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Hagnos, 2011.

COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2009.

Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.


Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Edições Loyola, 2000.