terça-feira, 30 de junho de 2015

QUEM NUNCA PECOU ATIRE A PRIMEIRA PEDRA


Uma reflexão sobre o caso da mulher adúltera e sua relação com o julgamento cristão e a Nova Aliança

Robson T. Fernandes

Os escribas e fariseus trouxeram à sua presença uma mulher surpreendida em adultério e, fazendo-a ficar de pé no meio de todos, disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério.
E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?
Isto diziam eles tentando-o, para terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo.
Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.
E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.
Mas, ouvindo eles esta resposta e acusados pela própria consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos, ficando só Jesus e a mulher no meio onde estava.
Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém mais além da mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?
Respondeu ela: Ninguém, Senhor! Então, lhe disse Jesus: Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais.
João 8:3-11

Esta é uma passagem bastante utilizada por aqueles que afirmam que é pecado julgar. Se este pensamento está correto, teremos uma série de conflitos com outros textos bíblicos, a exemplo de João 7:24, 1 Coríntios 10:15, 1Coríntios 11:13 e até mesmo com a clássica passagem de Mateus 7:1-5, sobre a qual já apresentamos uma explicação[1].

Portanto, acreditamos que existe algo a mais nessa passagem bíblica e que está relacionado a tentativa de apedrejamento daquela mulher flagrada em adultério.

Em primeiro lugar, nem todos os pecados eram punidos com apedrejamento. Os pecados que deveriam ser punidos com apedrejamento eram: relações sexuais de homens ou mulheres com animais; blasfêmia; relações sexuais com uma virgem comprometida, com enteada, com mãe ou com a madrasta; amaldiçoar os pais; incentivar as pessoas ou a comunidade à idolatria; tentativa de consultar os mortos; sacrificar o(a) próprio(a) filho(a) ao deus Moloch; homossexualidade; bruxaria; rebeldia dos filhos contra os pais; não guardar o sábado (shabat) e o adultério.

Dessa forma, quando o Senhor Jesus afirma “aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra”, não pensamos que estivesse se referindo a qualquer tipo de pecado, mas aos pecados que fossem puníveis com apedrejamento. Em outras palavras, acreditamos que Jesus estivesse dizendo que a Lei era válida para todos, especialmente porque esta foi a questão colocada pelos próprios judeus no início da história: “na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?”.

Ora, se eles já sabiam o que a Lei dizia, por que ainda levaram esta mulher até a presença de Cristo? É claro que eles não queriam apenas apedrejá-la, mas desejam armar uma cilada para Jesus. Então, Jesus que conhece os corações disse claramente que a Lei dizia isto, mas o que a Lei dizia era válido para todos e não apenas para aquela mulher. Em outras palavras, se esta mulher cometeu um pecado digno de apedrejamento quem cometeu um pecado que seja digno da mesma pena que seja apedrejado também. A Lei é válida para todos!

Aqueles homens entenderem com tanta clareza o que Jesus disse que não fizeram mais nada. Apenas soltaram as pedras e saíram porque a própria Escritura revela que eles foram “acusados pela própria consciência” (Jo 8:9).

Em segundo lugar, se o adultério era punido com apedrejamento, e de fato era, por que o homem que adulterou com esta mulher também não foi levado para o apedrejamento? Isto revela uma dupla hipocrisia envolvida naquela ocasião. A primeira hipocrisia é revelada no fato daqueles homens terem sido “acusados pela própria consciência” e se torna dupla porque queriam punir apenas um das partes envolvidas no pecado.

Jesus, além de muitas outras coisas, revela aqui a hipocrisia envolvida na questão.

Em terceiro lugar, se a Lei regulamentava o apedrejamento, por que então o próprio Jesus, que não tem pecado e que é o próprio Deus que instituiu a Lei para Moisés, não cumpriu a Lei que Ele mesmo estabeleceu? Jesus teria, aqui, quebrado a Lei?

Claro que não.

A questão aqui envolvida diz respeito a mudança de uma Aliança para outra. Jesus não apenas cumpre a Lei, como também Ele é o único que tem a autoridade para fazer com que Seu povo eleito não continuasse debaixo da lei do Antigo Testamento, a Antiga Aliança, e, por isso, estabelecesse uma Nova Aliança. O que estamos vendo aqui é a transição da Lei de Moisés para a Nova Aliança.

Por diversas vezes este tipo de situação ocorreu na vida de Jesus. Em várias ocasiões Jesus apresenta o que a Lei afirma e diz no mesmo instante “Eu porém, vos digo”. Ou seja, apesar da lei da Antiga Aliança dizer isto, Eu digo isto.

Em Mateus 5:21,22 Jesus afirma que na Lei estava escrito que não deveriam assassinar e quem assassinasse seria julgado Ex 20:13; Dt 5:17). Mas, agora, não apenas isso, mas também que aquele que sem motivo se irasse, insultasse ou injuriasse seu irmão estaria sujeito a julgamento; Em Mateus 5:27,28 Jesus afirma que na Lei estava escrito que não deveriam adulterar (Ex 20:14; Dt 5:18). Mas, agora, não apenas isso, mas também que “qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela”; Em Mateus 5:31,32 Jesus afirma que na Lei estava escrito que aquele que repudiasse sua mulher deveria dar-lhe carta de divórcio (Dt 24:1,3). Mas, agora, não apenas isso, mas também que o(a) adúltero(a) estava proibido de casar outra vez, pois se o fizesse estaria em adultério ele e o cônjuge. Mas, isto só seria válido para quem cometeu o pecado e não para a vítima. Além do mais, o divórcio seria justificado em caso de adultério comprovado, sem a necessidade de apedrejamento; Em Mateus 5:33,34 Jesus afirma que na Lei estava escrito que não deveriam jurar falsamente e cumprir todos os votos feitos (Lv 19:12, Nm 30:12, Dt 23:21). Mas, agora, não apenas isso, mas também que não deveriam jurar pois só juramos por quilo que é nosso e o ser humano não é dono de nada. Que não houvessem juramentos, mas apenas a palavra de honra; Em Mateus 5:38,39 Jesus afirma que na Lei estava escrito que deveriam cobrar olho por olho e dente por dente (Lv 24:20; Dt 19:21). Mas, agora, deveriam dar a outra face; Em Mateus 5:43,44 Jesus afirma que na Lei estava escrito que deveriam odiar o inimigo (Lv 19:16-18). Mas, agora, deveriam amar os inimigos e seus perseguidores; Em Mateus 19:8,9 Jesus afirma que na Lei estava escrito que o divórcio era permitido por causa da dureza do coração do povo em perdoar os pecados dos outros (Dt 24:1-4). Mas, agora, não. Agora, o divórcio só seria permitido em casos de relações sexuais ilícitas; Apesar do mandamento da Antiga Aliança ser conhecido, Jesus afirma que estava dando um novo mandamento (João 13.34): “que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros”.

Durante o Seu ministério terreno, Jesus Cristo veio para estabelecer uma Nova Aliança, diferente em muitos aspectos da Antiga Aliança feita no Sinai. Na verdade, o próprio Deus já havia dito que a Aliança mudaria. Isso havia sido dito, por exemplo, por meio do profeta Jeremias (Jr 31:31). Então, esta verdade é esclarecida na última Ceia (Mt 26:28) e por isso o Senhor afirma na cruz: Está consumado. Ou seja, a obra de redenção com base na Nova Aliança estava feita.

A guarda da Lei, especialmente a guarda do sábado, sempre foi uma questão de debates entre Cristo e os líderes religiosos. Por exemplo, em Mateus 12[2] essa questão é repetida continuamente. Nessa passagem Jesus é apresentado como sendo “maior que o templo” (12:6), “senhor do sábado” (12:8) e “Filho de Davi” (12:23). Desta forma, sendo Ele quem é, tem toda a autoridade para estabelecer uma Nova Aliança no lugar daquela que havia sido estabelecida anteriormente, ainda mais quando já foi dito que isto aconteceria.

Portanto, a passagem de João 8:3-11nos mostra claramente que os termos da nossa Aliança, a Nova Aliança, são em parte diferentes da Antiga Aliança do Sinai, e a base para o trato do pecado está no afastamento da hipocrisia e na aplicação do perdão: “vai e não peques mais”. É preciso observar que, mesmo sem ter esta intenção, os líderes religiosos ao levarem aquela mulher até Cristo O colocam como juiz desta causa. Cristo julga a causa com justiça e o seu veredicto é de absolvição para a mulher. Por isso, a questão não diz respeito a não julgar, mas em exercer misericórdia e graça no ato de julgar. Essa misericórdia e graça devem ser exercidas como base da Nova Aliança.

Que Deus tenha misericórdia de nós e nos ajude para não pecarmos mais.






[2] A questão que envolve Mateus 12 é tratada com mais detalhes em A BLASFÊMIA CONTRA O ESPÍRITO SANTO. Disponível em: http://caleberobson.blogspot.com.br/2015/06/a-blasfemia-contra-o-espirito-santo_25.html.

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