Uma reflexão sobre o que significa blasfemar conta o Espírito Santo
Robson T. Fernandes
Uma das dúvidas recorrentes no meio evangélico diz respeito ao que significa a blasfêmia contra o Espírito Santo, especialmente entre irmãos que creem que os dons cessaram (cessacionistas) e aqueles que creem que os dons continuam (continuístas). Isso ocorre porque, em especial, enquanto os cessacionistas afirmam que os continuístas blasfemam contra o Senhor por meio do uso dos dons espirituais, os continuístas afirmam que estão sendo julgados de forma errada e que são os cessacionistas, por não entender o poder de Deus, é que estão blasfemando contra o Espírito e Sua manifestação.
“Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha.
Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada.
Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á isso perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir” (Mateus 12:30-32)
Então, o que realmente significa a blasfêmia contra o Espírito Santo? Como ela é cometida?
Em primeiro lugar precisamos observar todo o texto para não correr o risco de descontextualizarmos a passagem. O capítulo 12 de Mateus contém 50 versículos, divididos da seguinte forma:
Do versículo 1 ao 8 vemos uma discussão sobre a guarda do sábado, porque os discípulos de Cristo violaram a guarda deste dia colhendo espigas para comer. Aqui vemos a obra de Cristo se revelando como sendo superior ao dia de sábado. “Porque o Filho do Homem é senhor do sábado”.
Do versículo 9 ao 13 vemos outra discussão por causa do sábado, dessa vez por que Jesus curou um homem que tinha a mão ressequida dentro da sinagoga. Aqui vemos a obra de Cristo se revelando como a bondade de Deus que se manifesta entre os homens e como a obra de Cristo que desfaz as obras de uma mera religiosidade distorcida.
Do versículo 14 ao 21 vemos a obra de Cristo sendo revelada através da cura de muitas pessoas que O seguiam, como cumprimento da profecia de Isaías. Aqui vemos a obra de Cristo se revelando como cumprimento de Isaías 42:1-4, que mostra como os gentios seriam atraídos até Cristo. Nesse trecho temos o acréscimo da pessoa do Espírito Santo na obra de Cristo, pois se é o Senhor quem faz a obra é o Espírito quem convence o homem da veracidade dessa obra. É o Espírito Santo que conduz o homem até Cristo.
Do versículo 22 ao 29 temos a introdução, de forma mais clara, de toda essa questão. Aqui vemos a obra de Cristo se revelando libertadora na cura de um endemoninhado cego e mudo. Nesse momento Jesus Cristo é visto pela multidão como o Filho de Davi, o descendente real do trono Davídico, o Rei prometido em todo o Antigo Testamento, o Messias. Aqui a obra de Cristo é apresentada no cumprimento da promessa aos judeus. Nesse ponto os fariseus rejeitam a obra de Cristo como sendo Divina e o próprio Cristo como sendo o prometido do Antigo Testamento. Nesse momento vemos claramente a rejeição de Cristo e de Sua obra ao se atribuir tais atos aos demônios.
Jesus afirma que tais demônios são expulsos pelo Espírito de Deus e que por isso o Reino de Deus é chegado. Então, rejeitar a obra de Cristo é rejeitar o Reino de Deus e, por isso, é também rejeitar o Espírito Santo que manifesta tal maravilha. Isso é blasfemar contra o Espírito Santo: rejeitar a obra de Cristo e a chegada do Reino de Deus.
Do versículo 30 ao 37 vemos a conclusão deste pensamento. Cristo afirma que quem não é por Ele é contra Ele. Então, afirma que “todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada”.
O que seria a blasfêmia contra o Espírito Santo?
Ora, que pecado aqueles fariseus cometeram? Eles rejeitaram a Cristo como o Messias afirmando ser ele um falso. Isso é a blasfêmia contra o Espírito Santo.
Jesus ainda afirma, nesse trecho, que tais pessoas fazem isso porque tem uma natureza não regenerada, ao comparar tais pessoas com “árvores más” (12:33), “frutos maus” (12:33), “raça de víboras” (12:34), “maus” (12:34), “homem mau” (12:35) e “condenados” (12:37). Porque tais pessoas não nasceram de novo, porque tinham uma natureza não regenerada, uma natureza má, tais pessoas blasfemavam contra o Espírito Santo, ou seja, rejeitavam a Cristo e Sua obra.
Do versículo 38 ao 42 os escribas e fariseus pedem um sinal a Cristo. Ora, Cristo não já havia feito diversos sinais? Por que pedir mais um sinal? Porque aquela geração, aquele povo, era mal por natureza eram adúlteros espirituais pois haviam trocado a fé pela incredulidade, Deus por uma religiosidade distorcida.
Cristo afirma que nenhum sinal lhes seria dado, e ao fazer menção ao fato do profeta Jonas profetiza que estaria morto três dias, mas ao fim do terceiro dia ressuscitaria.
Se em 12:6 Cristo se apresenta como sendo maior que o templo e em 12:8 como Senhor do sábado, agora se apresenta como sendo maior que Jonas (12:41) e maior que Salomão (12:42). Então, já que é o Espírito Santo quem convence o homem do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8), blasfemar contra o Espírito é blasfemar, rejeitar, a grandiosidade da obra e da pessoa de Jesus Cristo.
Do versículo 43 ao 45 Jesus afirma que as pessoas que não são convertidas são casas vazias, que podem ter suas vidas organizadas, limpas e enfeitadas pela religião, mas o seu interior permanece vazio. Apesar de terem uma vida “varrida e ornamentada” continuam com a vida “vazia” e que, por isso, continuam sendo a casa de um espírito imundo que trará consigo mais sete espíritos imundos, piores do que ele. Como tais pessoas não nasceram de novo “o último estado daquele homem torna-se pior do que o primeiro” e assim “também acontecerá a esta geração perversa”.
Jesus nos ensina, portanto, que o que leva alguém a blasfemar contra o Espírito Santo é o fato de não serem uma casa habitada pelo próprio Espírito Santo e sim por um espírito imundo. É exatamente por isso que tais pessoas blasfemam contra o Espírito que não habita nelas.
Do versículo 46 ao 50 temos a finalização do ensino deste capítulo, quando a família terrena de Cristo aparece no cenário, a mãe e os irmãos biológicos de Cristo[1]. Aqui, Jesus apresenta a diferença básica entre quem é filho de Deus e quem não é, pois afirma que Sua verdadeira família é “qualquer que fizer a vontade de meu Pai celeste”. Esta família é apontada por Cristo como sendo os seus discípulos (12:49). Aquele que é um discípulo de Cristo é que faz parte desta casa habitada pelo Espírito e por isso não blasfema contra o Senhor, pois crê que Cristo é o Senhor e Salvador.
Diante de tudo o que foi exposto, ao analisar o capítulo 12 de Mateus, fica claro que a blasfêmia contra o Espírito Santo é praticada por que não nasceu de novo, e ela é rejeitar a Obra de Cristo como único Senhor e Salvador.
Em concordância com o que foi apresentado, vejamos o que nos diz O Novo Comentário da Bíblia[2]:
Este pecado, a rejeição propositada de Cristo e sua salvação é o único que, pela natureza, priva o homem da possibilidade de perdão. Ver Nm 15.27-31, onde há referência à oferta para expiação do pecado cometido por ignorância e não do pecado intencional. Cometer pecado intencionalmente era blasfêmia contra o Senhor. Ver Mc 3.28-29 n. e cfr. Lc 12.10. O vers. 32 apresenta um contraste que à primeira vista parece estranho. A explicação é que o Espírito Santo é quem oferece a salvação ao coração do homem. Pelo fruto se conhece a árvore (33). O argumento aqui é que as boas obras de Cristo eram evidência de sua bondade e em conseqüência não deram lugar à blasfêmia cometida pelos fariseus. A ilustração da árvore é de sentido duplo, porque o vers. 34 mostra tanto a malevolência dos fariseus quanto a bondade de Cristo. Por tuas palavras (37). Palavras não são a causa, mas a evidência de justificação ou de condenação.
Ainda, Billy Graham[3] declara em seu livro “O Espírito Santo” o seguinte:
O pior pecado que um ser humano pode cometer contra o Espírito Santo é blasfemar contra Ele. A razão disto é clara: para este pecado não há perdão. Todos os outros pecados contra o Espírito Santo são cometidos por crentes. Podemos nos arrepender deles, receber perdão, e fazer um novo começo. Com a blasfêmia contra o Espírito Santo é diferente. Este pecado, chamado de "o pecado imperdoável", é cometido por descrentes, os inimigos de Jesus, quando O acusaram de expulsar demônios pelo poder de Satanás apesar de Ele ter dito antes que os expulsava pela poder do "Espírito de Deus", cometeram este pecado. Então Jesus continuou: "Por isso vos declaro: Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do homem ser-lhe-á isto perdoado; mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isto perdoado, nem neste mundo nem no porvir" (Mat. 12:31, 32). Quando meu pai era jovem ele foi a uma reunião de avivamento na Carolina do Norte, e um sermão sobre este assunto o convenceu de que ele tinha cometido o pecado imperdoável. Ele conviveu com esta idéia horrível durante vários anos. Sentia-se torturado, cheio de medo, pensando que era um homem maldito que nunca poderia se arrepender do seu pecado. Felizmente ele descobriu a tempo que o seu pecado não era do tipo que o excluísse da misericórdia e da graça de Deus. Veio a saber que o Espírito Santo não estaria lutando com ele, tentando convencê-lo e levá-lo a Cristo, se ele tivesse mesmo cometido este pecado imperdoável. Talvez eu possa aventurar aqui uma definição do que eu entendo por pecado imperdoável. Negativamente, parece-me que ninguém que ainda está sob o poder perturbador, persuasivo e atraidor do Espírito Santo cometeu este pecado. Enquanto o Espírito estiver se ocupando de uma pessoa, esta não cometeu o pecado imperdoável. Mas quando alguém tanto se opõe ao Espírito Santo que Este o deixa de lado, então esta pessoa está em perigo. Em outras palavras, o pecado imperdoável implica na rejeição total e irrevogável de Jesus Cristo. Eu creio que é sobre isto que Estêvão estava falando no sermão que pregou pouco antes de ser martirizado. "Homens de dura cerviz [teimosos, BLH] . . . vós sempre resistis ao Espírito Santo" (Atos 7:51).
Portanto, acredito que a chave está na afirmação que Billy Graham fez: “o pecado imperdoável implica na rejeição total e irrevogável de Jesus Cristo”.
Confirmando isso, Louis Berkhof[4] em sua Teologia Sistemática diz o seguinte:
Não é tanto um pecado contra a pessoa do Espírito Santo, como contra a Sua obra oficial que consiste em revelar, tanto objetiva como subjetivamente, a graça e a glória de Deus em Cristo. A raiz desse pecado é o consciente e deliberado ódio a Deus e a tudo quanto se reconhece como divino. É imperdoável, não porque a sua culpa transcende os méritos de Cristo, ou porque o pecador esteja fora do alcance do poder renovador do Espírito Santo, mas, sim porque há também no mundo de pecado certas leis e ordenanças estabelecidas por Deus e por Ele mantidas. E, no caso desse pecado particular, a lei é que ele exclui toda a possibilidade de arrependimento, cauteriza a consciência, endurece o pecador e, assim, torna imperdoável o pecado. Daí, nos que cometeram esse pecado podemos esperar ver um pronunciado ódio a Deus, uma atitude desafiadora para com Ele e para com tudo quanto é divino, um prazer em ridicularizar e difamar aquilo que é santo, e um desinteresse absoluto quanto ao bem-estar da alma e à vida futura. Em vista do fato de que esse pecado não é seguido pelo arrependimento, podemos estar razoavelmente seguros de que os que receiam havê-lo cometido e se preocupam com isso, e desejam as orações doutras pessoas por eles, não o cometeram.
Esperamos, então, que diante de tudo o que foi exposto vivamos na plenitude do Espírito Santo e que a Graça do Senhor continue sendo derramada abundantemente sobre nós, nos dando paz no coração quanto ao que significa blasfemar contra o Santo Espírito e convicção de que fomos feitos filhos de Deus por esse mesmo Espírito.
[1] Se quiser saber mais sobre os irmãos biológicos de Jesus Cristo, veja o seguinte artigo: http://caleberobson.blogspot.com.br/2013/10/quem-sao-os-irmaos-biologicos-de-jesus.html.
[2] DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. São Paulo: Editora Vida, 1999. p. 965.
[3] GRAHAM, Billy. O Espírito Santo. São Paulo: Vida Nova, 2009. p. 134, 135.
[4] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Luz para o Caminho, 2000. p.249
Muito bom ver esses teólogos debatendo e oferecendo bases bíblicas num contexto original. Sem manipular a verdade. Sem distorcer.
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