Uma reflexão sobre o
caso da mulher adúltera e sua relação com o julgamento cristão e a Nova Aliança
Robson T. Fernandes
Os escribas e fariseus trouxeram à sua presença uma
mulher surpreendida em adultério e, fazendo-a ficar de pé no meio de todos, disseram
a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério.
E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam
apedrejadas; tu, pois, que dizes?
Isto diziam eles tentando-o, para terem de que o
acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo.
Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes
disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire
pedra.
E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no
chão.
Mas, ouvindo eles esta resposta e acusados pela
própria consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos
até aos últimos, ficando só Jesus e a mulher no meio onde estava.
Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém mais além da
mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te
condenou?
Respondeu ela: Ninguém, Senhor! Então, lhe disse
Jesus: Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais.
João 8:3-11
Esta é uma passagem bastante utilizada por aqueles que
afirmam que é pecado julgar. Se este pensamento está correto, teremos uma série
de conflitos com outros textos bíblicos, a exemplo de João 7:24, 1 Coríntios
10:15, 1Coríntios 11:13 e até mesmo com a clássica passagem de Mateus 7:1-5,
sobre a qual já apresentamos uma explicação[1].
Portanto, acreditamos que existe algo a mais nessa passagem
bíblica e que está relacionado a tentativa de apedrejamento daquela mulher
flagrada em adultério.
Em primeiro lugar,
nem todos os pecados eram punidos com apedrejamento. Os pecados que deveriam
ser punidos com apedrejamento eram: relações sexuais de homens ou mulheres com
animais; blasfêmia; relações sexuais com uma virgem comprometida, com enteada, com
mãe ou com a madrasta; amaldiçoar os pais; incentivar as pessoas ou a
comunidade à idolatria; tentativa de consultar os mortos; sacrificar o(a)
próprio(a) filho(a) ao deus Moloch; homossexualidade; bruxaria; rebeldia dos
filhos contra os pais; não guardar o sábado (shabat) e o adultério.
Dessa forma, quando o Senhor Jesus afirma “aquele que dentre
vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra”, não pensamos que
estivesse se referindo a qualquer tipo de pecado, mas aos pecados que fossem
puníveis com apedrejamento. Em outras palavras, acreditamos que Jesus estivesse
dizendo que a Lei era válida para todos, especialmente porque esta foi a questão
colocada pelos próprios judeus no início da história: “na lei nos mandou Moisés
que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?”.
Ora, se eles já sabiam o que a Lei dizia, por que ainda
levaram esta mulher até a presença de Cristo? É claro que eles não queriam
apenas apedrejá-la, mas desejam armar uma cilada para Jesus. Então, Jesus que
conhece os corações disse claramente que a Lei dizia isto, mas o que a Lei
dizia era válido para todos e não apenas para aquela mulher. Em outras
palavras, se esta mulher cometeu um pecado digno de apedrejamento quem cometeu um
pecado que seja digno da mesma pena que seja apedrejado também. A Lei é válida
para todos!
Aqueles homens entenderem com tanta clareza o que Jesus disse
que não fizeram mais nada. Apenas soltaram as pedras e saíram porque a própria
Escritura revela que eles foram “acusados pela própria consciência” (Jo 8:9).
Em segundo lugar,
se o adultério era punido com apedrejamento, e de fato era, por que o homem que
adulterou com esta mulher também não foi levado para o apedrejamento? Isto
revela uma dupla hipocrisia envolvida naquela ocasião. A primeira hipocrisia é
revelada no fato daqueles homens terem sido “acusados pela própria consciência”
e se torna dupla porque queriam punir apenas um das partes envolvidas no
pecado.
Jesus, além de muitas outras coisas, revela aqui a
hipocrisia envolvida na questão.
Em terceiro lugar,
se a Lei regulamentava o apedrejamento, por que então o próprio Jesus, que não
tem pecado e que é o próprio Deus que instituiu a Lei para Moisés, não cumpriu
a Lei que Ele mesmo estabeleceu? Jesus teria, aqui, quebrado a Lei?
Claro que não.
A questão aqui envolvida diz respeito a mudança de uma
Aliança para outra. Jesus não apenas cumpre a Lei, como também Ele é o único
que tem a autoridade para fazer com que Seu povo eleito não continuasse debaixo
da lei do Antigo Testamento, a Antiga Aliança, e, por isso, estabelecesse uma
Nova Aliança. O que estamos vendo aqui é a transição da Lei de Moisés para a
Nova Aliança.
Por diversas vezes este tipo de situação ocorreu na vida de
Jesus. Em várias ocasiões Jesus apresenta o que a Lei afirma e diz no mesmo
instante “Eu porém, vos digo”. Ou seja, apesar da lei da Antiga Aliança dizer
isto, Eu digo isto.
Em Mateus 5:21,22 Jesus afirma que na Lei estava escrito que
não deveriam assassinar e quem assassinasse seria julgado Ex 20:13; Dt 5:17).
Mas, agora, não apenas isso, mas também que aquele que sem motivo se irasse,
insultasse ou injuriasse seu irmão estaria sujeito a julgamento; Em Mateus 5:27,28
Jesus afirma que na Lei estava escrito que não deveriam adulterar (Ex 20:14; Dt
5:18). Mas, agora, não apenas isso, mas também que “qualquer que olhar para uma
mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela”; Em Mateus 5:31,32
Jesus afirma que na Lei estava escrito que aquele que repudiasse sua mulher
deveria dar-lhe carta de divórcio (Dt 24:1,3). Mas, agora, não apenas isso, mas
também que o(a) adúltero(a) estava proibido de casar outra vez, pois se o
fizesse estaria em adultério ele e o cônjuge. Mas, isto só seria válido para
quem cometeu o pecado e não para a vítima. Além do mais, o divórcio seria
justificado em caso de adultério comprovado, sem a necessidade de
apedrejamento; Em Mateus 5:33,34 Jesus afirma que na Lei estava escrito que não
deveriam jurar falsamente e cumprir todos os votos feitos (Lv 19:12, Nm 30:12,
Dt 23:21). Mas, agora, não apenas isso, mas também que não deveriam jurar pois
só juramos por quilo que é nosso e o ser humano não é dono de nada. Que não
houvessem juramentos, mas apenas a palavra de honra; Em Mateus 5:38,39 Jesus
afirma que na Lei estava escrito que deveriam cobrar olho por olho e dente por
dente (Lv 24:20; Dt 19:21). Mas, agora, deveriam dar a outra face; Em Mateus 5:43,44
Jesus afirma que na Lei estava escrito que deveriam odiar o inimigo (Lv
19:16-18). Mas, agora, deveriam amar os inimigos e seus perseguidores; Em Mateus
19:8,9 Jesus afirma que na Lei estava escrito que o divórcio era permitido por
causa da dureza do coração do povo em perdoar os pecados dos outros (Dt 24:1-4).
Mas, agora, não. Agora, o divórcio só seria permitido em casos de relações
sexuais ilícitas; Apesar do mandamento da Antiga Aliança ser conhecido, Jesus
afirma que estava dando um novo mandamento (João 13.34): “que vos ameis uns aos
outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros”.
Durante o Seu ministério terreno, Jesus Cristo veio para
estabelecer uma Nova Aliança, diferente em muitos aspectos da Antiga Aliança
feita no Sinai. Na verdade, o próprio Deus já havia dito que a Aliança mudaria.
Isso havia sido dito, por exemplo, por meio do profeta Jeremias (Jr 31:31).
Então, esta verdade é esclarecida na última Ceia (Mt 26:28) e por isso o Senhor
afirma na cruz: Está consumado. Ou seja, a obra de redenção com base na Nova
Aliança estava feita.
A guarda da Lei, especialmente a guarda do sábado, sempre
foi uma questão de debates entre Cristo e os líderes religiosos. Por exemplo,
em Mateus 12[2] essa questão é repetida
continuamente. Nessa passagem Jesus é apresentado como sendo “maior que o
templo” (12:6), “senhor do sábado” (12:8) e “Filho de Davi” (12:23). Desta
forma, sendo Ele quem é, tem toda a autoridade para estabelecer uma Nova
Aliança no lugar daquela que havia sido estabelecida anteriormente, ainda mais
quando já foi dito que isto aconteceria.
Portanto, a passagem de João 8:3-11nos mostra claramente que
os termos da nossa Aliança, a Nova Aliança, são em parte diferentes da Antiga
Aliança do Sinai, e a base para o trato do pecado está no afastamento da
hipocrisia e na aplicação do perdão: “vai e não peques mais”. É preciso
observar que, mesmo sem ter esta intenção, os líderes religiosos ao levarem
aquela mulher até Cristo O colocam como juiz desta causa. Cristo julga a causa
com justiça e o seu veredicto é de absolvição para a mulher. Por isso, a
questão não diz respeito a não julgar, mas em exercer misericórdia e graça no
ato de julgar. Essa misericórdia e graça devem ser exercidas como base da Nova
Aliança.
Que Deus tenha misericórdia de nós e nos ajude para não pecarmos
mais.
[1]
É PECADO JULGAR? Disponível em: http://caleberobson.blogspot.com.br/2011/10/e-pecado-julgar.html.
[2]
A questão que envolve Mateus 12 é tratada com mais detalhes em A BLASFÊMIA
CONTRA O ESPÍRITO SANTO. Disponível em:
http://caleberobson.blogspot.com.br/2015/06/a-blasfemia-contra-o-espirito-santo_25.html.
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