Uma breve reflexão
sobre a doutrina bíblica da salvação entre os povos não alcançados
Robson T. Fernandes
Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder
de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do
grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como
está escrito: O justo viverá por fé.
A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e
perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; porquanto o que de
Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou.
Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu
eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem,
desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram
criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo
conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças;
antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o
coração insensato.
Romanos 1:16-21
Em Romanos 1 o apóstolo Paulo nos ensina que os atributos
invisíveis de Deus, o Seu eterno poder e também a Sua própria Divindade são
claramente vistos desde a criação do mundo, sendo percebidos mediante as coisas
que foram criadas, de modo que as pessoas que não reconhecem isso são
indesculpáveis. Da mesma forma, o Salmo 19 nos diz que a natureza proclama a
glória de Deus, fazendo assim a maior pregação de todos os tempos. Ainda, temos
o texto de Atos 4:12 que declara enfaticamente: “E em nenhum outro há salvação;
porque debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, em que
devamos ser salvos”.
Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento
anuncia as obras das suas mãos.
Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela
conhecimento a outra noite.
Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve
nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas
palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol, o qual, como
noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu
caminho.
Salmo 19:1-5
Contudo, existe um grupo de pessoas que pensa que os índios,
por exemplo, podem ser salvos simplesmente por não ter conhecimento das
verdades bíblicas e que para eles, por exemplo, o meio de salvação seria outro.
Se isso for verdade, teremos então uma classe de seres
humanos distintos, e teremos da mesma maneira uma forma de tratamento distinta da
parte de Deus.
Acreditamos que esse pensamento exista por duas razões
básicas: 1. Discriminação e 2. Desconhecimento.
DISCRIMINAÇÃO
Discriminação porque muitas pessoas acham que os índios são
inferiores ao homem branco e que ele não tem a mesma capacidade do homem “civilizado”
ou que não está na mesma condição. Alguns até argumentam que o índio é um “ser
inocente”. Mas, isso também não é verdade, especialmente porque o índio tem
tanta inteligência e capacidade quanto qualquer outro ser humano e está sujeito
as mesmas condições e tratamentos que qualquer outro homem, tanto pra fazer
coisas boas quanto para fazer o mal.
Essa separação de classes é típica daqueles que praticam a
desigualdade social e a discriminação, mesmo que “bem intencionada”. É o mesmo
pensamento daqueles que pensam que defender as “cotas” para os negros na
universidade brasileira é uma forma de manter a igualdade social, quando na
verdade é apenas uma forma de alimentar uma discriminação racial e institucionalizar
uma divisão de classes, assim como também ocorre na Índia com as suas castas,
por exemplo. Mas, para não fugir de nosso tema, vejamos dois pensamentos
indígenas que ilustram o quanto essas pessoas também têm acesso às verdades
Divinas, reveladas por meio da criação Divina e colocadas na mente humana,
independente de sua classe social, raça, tribo ou status:
O
ÍNDIO E A NATUREZA HUMANA
"Um
velho índio descreveu certa vez em seus conflitos internos:
- Dentro
de mim existem dois cachorros, um deles é cruel e mau, o outro é muito bom e
dócil. Os dois estão sempre brigando...
Quando,
então, lhe perguntaram:
-
Qual dos cachorros ganharia a briga?
O
sábio índio parou, refletiu e respondeu:
-
Aquele que eu alimentar"
(BETANIA, 2009, online)
Ao observar o texto, de autoria desconhecida, percebemos na sabedoria
indígena o mesmo princípio apresentado pelo apóstolo Paulo em Gálatas 5:17: “Porque
a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são
opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer”.
Podemos ver com isso, que o índio, mesmo não tendo acesso às verdades da Sagrada
Escritura, possui em sua intelectualidade, em seu coração, valores que ali
foram implantados pelo Seu Criador e que o tornam responsável diante de Deus,
como determina Romanos 1.
Outro exemplo pode ser dado por meio do discurso em alusão
ao Dia do Índio, quando o Senador Paulo Paim relembrou um mito indígena da “Terra-Sem-Males”:
De
tantos mitos e lendas da cultura indígena, há um que fala da Terra-Sem-Males.
Esse lugar seria o centro do mundo, do universo, em que os homens seriam iguais
entre seus iguais. Um planeta melhor, mais pleno, mais feliz, sem guerra nem
ódio, com terra, água e pão para todos.
(PAIM, 2012, online)
Essa Terra-Sem-Males do mito indígena não seria semelhante a
esperança da vida eterna em Cristo na Glória celestial, claramente apresentada
no livro de Apocalipse?
Podemos ver com isso que reside no índio, também, um vazio
do tamanho de Deus, como declarou o romancista russo Fiodor Dostoieviski e como
afirmou o brilhante matemático Blaise Pascal: “há no homem um buraco na forma
de Deus”. Assim sendo, se este vazio tem o tamanho e a forma de Deus, apenas o
Senhor Deus é quem tem as condições ideais para preencher tal lacuna na alma
humana. Esse vazio é que faz com que os homens, sendo índios ou não, sonhem com
a esperança de uma Terra-Sem-Males. Mas, apenas o Senhor Deus, por meio de Jesus
Cristo, nosso Salvador, é que pode concretizar essa esperança, não aqui, mas na
glória celestial, na vida eterna, no porvir.
Essa esperança de uma Terra-Sem-Males evidencia que a alma do índio está insatisfeita
com esta vida e com esta terra, mas ainda, as distorções deste conto indígena
também evidenciam que a sua religiosidade está distorcida e que este precisa de
um direcionamento correto à luz da Sagrada Escritura.
O que dizer ainda das histórias existentes nas diversas tribos
indígenas ao redor do Globo sobre a Criação do mundo ou de um Dilúvio?
O fato é que os índios não são uma espécie subdesenvolvida
da raça humana. Não! Coloque um computador, automóvel ou qualquer outro
aparelho em suas mãos, ensine-o a usar e ele fará tão bem quanto qualquer outra
pessoa. Por semelhante modo, ao estudar a alma indígena nos encontraremos com
as mesmas insatisfações, limitações e distúrbios encontrados em qualquer outra
alma de qualquer outra pessoa. Se estudarmos a espiritualidade indígena encontraremos
as mesmas distorções encontradas em qualquer outra pessoa que esteja distante de
seu Criador.
Aos olhos de Deus não existe distinção entre um índio ou um
homem branco europeu, entre um grego ou judeu.
DESCONHECIMENTO
Acreditamos que é aqui que reside a maior questão dessa
problemática, e isso ocorre não por um mero desconhecimento sociológico, filosófico
ou cultural, ou seja, por um desconhecimento meramente científico, mas pelo
desconhecimento bíblico-teológico, especialmente porque estamos tratando de um
assunto doutrinário: soteriologia (a doutrina da salvação).
A doutrina bíblica da salvação nos ensina, em seus
pressupostos mais básicos, que o ser humano é um pecador por natureza (Rm 3:23)
e que apenas Jesus Cristo salva o pecador (At 4:12), e isso é afirmado e
mantido tanto por calvinistas[1]
quanto por arminianos[2].
Aqui não existe campo de batalha, divergência ou discussão entre ambos.
Então, se todo ser humano é um pecador por natureza e os
índios também são seres humanos, assim como em qualquer outra pessoa, neles,
nos índios, reside a natureza caída, a morte espiritual. Ainda, se apenas Jesus
Cristo é o meio de salvação para qualquer homem debaixo do céu e os índios são
homens e estão debaixo do céu, apenas Cristo pode lhes salvar de seus pecados,
assim como pode fazer com qualquer outra pessoa.
Por fim, e só reafirmando a questão, não é pelo conhecimento
da existência de Deus por meio da natureza que os índios serão salvos. Esse conhecimento
é chamado de Revelação Geral. Esta Revelação Geral não conduz o homem à
salvação, mas ao reconhecimento da existência de um Deus Criador que merece ser
adorado. O que salva o ser humano, incluindo o índio, é a Revelação Especial,
ou Específica. Essa Revelação é concedida por meio da pregação do Evangelho
juntamente com a ação do Espírito Santo que usa essa pregação para convencer o
homem pecador. Para convencer o homem da Verdade que liberta (Jo 8:32,36).
Então, para entender isso com maior clareza, vejamos o
maravilhoso texto de Romanos 10: 11-15:
Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que nele crê
não será confundido.
Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que
o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam.
Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será
salvo.
Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E
como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem
pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão
formosos são os pés dos que anunciam coisas boas!
Com isso podemos entender que a salvação, tanto para índios
como para os não indígenas, ocorre por meio da pregação do Evangelho de Cristo,
uma vez que o Espírito Santo deseje usar essa pregação para convencer o ouvinte
(Jo 16:8).
Então, a sequência apresentada pelo apóstolo Paulo é esta:
01. É preciso crer para não ser confundido;
02. Não existe nenhuma distinção entre indignas e não
indígenas, judeu e grego etc;
03. Jesus Cristo é Senhor de todos e tem resposta para dar
aos que O invocam;
04. Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. O
índio precisa clamar por Jesus;
05. Antes de invocar o índio precisa crer;
06. Para crer o índio precisa ouvir o Evangelho;
07. A pregação genuína do Evangelho enfatiza a Cristo e Sua
obra;
08. Para que isto ocorra é preciso que alguém que já conhece
a Cristo apresente a Cristo;
09. É preciso que o pregador seja enviado até os índios, ou aos
povos não alcançados;
10. A vida de quem se dispõe a fazer esta obra é formosa aos
olhos de Deus,.
CONCLUSÃO
Respondendo a pergunta feita: COMO OCORRE A SALVAÇÃO DE QUEM
NÃO OUVE O EVANGELHO?
Não ocorre!
Não existe uma forma de ser salvo sem a pregação do
Evangelho e sem a crença no Evangelho de Jesus Cristo. Não existe outra forma. A
única forma de alguém ser salvo, seja índio ou não, é através da pregação do
Evangelho de Jesus Cristo.
O índio não é uma subespécie humana e nem uma sub-raça,
muito menos o índio é um tipo de ser humano inocente, especialmente porque a história
já demonstrou que ele é capaz das maiores atrocidades, assim como qualquer outra
pessoa.
Ainda, não é porque o índio está em contato com a natureza
que isto lhe torna apto a ser salvo. Não! Precisamos lembrar que a salvação não
vem pelas obras (Ef 2:8,9). O contato com a natureza lhe dá a condição de ouvir
a voz de Deus de forma geral, assim como a sua capacidade mental lhe torna apto
a adorar ao Criador, ao invés de adorar plantas e animais, recaindo no
panteísmo, animismo e idolatria, tornando-o por isso indesculpável.
Por fim, o índio precisa ouvir o Evangelho e crer em Jesus
Cristo para ser salvo. Mas, “como crerão naquele de quem nada ouviram? E como
ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?”.
Aqui, então, nos deparamos com uma dupla responsabilidade:
1. A responsabilidade de alguém querer ser enviado, de alguém se dispor e
dizer: Senhor, eis-me aqui, envia-me a mim; 2. A responsabilidade da Igreja
enviar esta pessoa e ser responsável por lhe manter no campo missionário onde
ela poderá ir até esses índios e esses povos não alcançados, para cumprir a
finalidade bíblica da Igreja: tornar-se formosa pelo anúncio das Boas Novas.
Uma oura questão, ainda mais complexa envolve agora o debate
entre calvinistas e arminianos: O que faz então esses índios crerem nessa
pregação? É a sua própria vontade livre (arminianos) ou eles só crerão se o
Senhor lhes conceder o dom da fé (calvinistas)?
Esse é um debate que ficará para outro artigo, em outro
momento.
Que Deus lhe abençoe e que a chama do Evangelho arda em seu
coração de tal maneira que outras vidas sejam incendiadas pela sua vida que
honra e proclama o Evangelho de Cristo.
Bibliografias
BETANIA, Marta. O ÍNDIO E A NATUREZA HUMANA. 17 de
dezembro de 2009. Disponível em: http://vidalight.blogspot.com.br/2009/12/o-indio-e-natureza-humana.html.
Acesso em 07 jul 2015.
PAIM, Paulo. CÂMARA DOS
DEPUTADOS - DETAQ. Sessão: 005.2.54.N. 16/04/2012. Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=3&nuSessao=005.2.54.N&nuQuarto=33&nuOrador=2&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=13:03&sgFaseSessao=HO%20%20%20%20%20%20%20%20&Data=16/04/2012&txApelido=PAULO%20PAIM&txEtapa=Com%20reda%C3%A7%C3%A3o%20final.
Acesso em: 07 jun 2015.
[1]
Calvinista. Aqui, especificamente, o termo é utilizado de forma restrita para se
referir àqueles que creem na doutrina bíblica da predestinação.
[2]
Arminianos. Aqui, especificamente, o termo é utilizado de forma restrita para
se referir àqueles que creem na existência da livre agência (liberdade de
escolha no que se refere as coisas espirituais).
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